mardi 31 décembre 2013

Sing a lullaby now I remember...

...Tempo que se foi e não se esquece mais.
[Late Redemption, Angra]


Just a Text


What do you think is gonna be?
Ten or twenty years from now?
And at the moment of your death?
What are they going to say?
Good friend? Good father? Good husband? Good wife?
That's all?
Do you want that in this meantime all your life be a party?
Are you going to live your life like it was always the last day of your life?
What if doesn't happen to be the last day of your life?
What if tomorrow come to take it back?

I end my questions.
- Take a deep breath, feel the pain.
It's just another day after all,
it's not like there's no tomorrow. -




"Tempo que passou
Não vai mais voltar
Tudo o que se foi
Toda a minha dor
Nunca vai voltar
Tempo que passou
Nunca
Tudo se acabou"

samedi 14 décembre 2013

Cápsula do Tempo

(Sobre a Transição)
"Escrevi meu nome, mas não consigo
mais encontrá-lo.
Minhas cinzas se espalham como pó pelo
labirinto invisível."
[NGaiman]


Há muito brilho, muita diversão, muitas risadas altas. Festa, bolo, casa grande, carro novo, vestido longo. O mundo é completo. Paz-amor-sucesso-e-felicidades. Não, cavalos brancos ficaram velhos, mas há um louro alto, uma garotinha vestida de rendas e todos os olhares. Todas as luzes. Todas as palmas. Realizações. Tudo é perfeito. Você consegue ver? Venha, coloque a mão, não tema! Sim, é tão lindo. Há um jardim ensolarado. Que tal um brinde?
Mas... não? Não.
O que há é matéria. Cadeiras-tábua-chão. Parede-fria-terra-batida-cimento-duro. Falatório-carreira-briga. Nada é belo e o mundo se apaga em medo. O que há são sonhos de neve, brilhantes e fracos. Eles derretem escorrendo pelos vãos porque já passou tempo demais. E com eles vai embora o calor das mãos, que se tornam secas e velhas. O que há são projetos frágeis, mentes conturbadas e prazos cada vez mais evidentes. Porque a vida está ficando pesada e os relógios contam um vento denso. Os dias são tangíveis e quase podes tocar o tempo, parti-lo com teus talheres de prata e comê-lo. Só quase. Não consegues comê-lo porque ele não te desce pela garganta, te fere o paladar infantil que pede apenas por doces. Não consegues comê-lo por ser áspero e duro, arranhando tuas entranhas, por ser forte demais para teus dentes de porcelana.
O que há é barulho. Muito barulho. Palavras-zumbidos-algazarra. Gentes se derramando pela boca, sufocando os próprios ouvidos, e uma cabeça sem foco. Discursos demais, planos demais, que mal param de pé. Quando o último grão cair ninguém, vai saber o que fazer. Quando a próxima porta se abrir, ninguém vai saber para onde correr. Quando a hora chegar de te mandarem olhar para trás, que pena, ninguém saiu do lugar. Desde o início baratas tontas batendo com as cabeças e chocando-se nas paredes. O filme acelera, o volume aumenta, a cena ganha cores fortes, fortes, mais fortes, super saturadas, gritantes! E correm, correm, correm...
O que há é matéria. O que há é barulho. Gelo e peso. Coisas quebrando e fazendo estrondo, coisas que atrapalham e dão trabalho. O que há é pressa. Cansaço e cegueira, uma corrida no escuro. O que há é tempo. De concreto e chumbo, e o batem em nossa cabeça como um ovo, esperando que saiam dali vida e beleza. Não vai sair nada. Nem flores, nem amores e nem perfumes.
O que há são sonhos de neve. Sem bonecos ou flocos prateados. É apenas gelo cortante do que não podes fazer existir. É a fusão de cada beleza que um dia sonhaste. E o teto em brasa da realidade cai sobre os corpos, marcando-os como touros para o abate. É o calor que desfaz a neve. Derretendo, ela te escorre pelos dedos, te faz escorregar, mergulhado nesse mar de cadáveres.
O que há é a morte do que nunca foi. É a partida do teu eu que nunca existiu. É teu futuro que ficou passado e as folhas secas, para se quebrarem no próximo outono.
O que há... é não haver.



MensagemparaocuparoBranco
14 de Dezembro de 2013: Um ano exato daquele novo fim. Eu me pergunto sobre o que são fins. Eu me pergunto até onde valem minhas filosofias. Até onde vale qualquer filosofia?
De tudo, o que é que fica? Sobram sombras. Restam retalhos. Ficam fios. Fios soltos, balouçantes, fazendo cócegas quando roçam a face ou irritando a pele sensível. Ecos. Somente.
Isso foi o que me sobrou da nossa cápsula do tempo, das memórias e ilusões e fantasias ingênuas que nunca desenterraremos. E eu descubro que isso bastava. Que a imagem basta. Imaginada. Como dizer o que é verdade ou mentira, o que é certo ou errado? Acaso sei se, ao menos, existo ou sonho eu mesma? Ou sou eu sonho?
Vãs as filosofias.
Vãos os anéis.
Os dedos também.
O único valor é a imagem. É a mente. Pois que, não sabendo de nós, sabemos do que parte de nós. Como premissas, temos o mundo na palma da mão. Às favas com as verdades. E com meus niilismos. Se nada vale de nada, façamos do Todo o que quisermos. Façais. Que eu fico aqui, e observo. Observo-os dançando, valsando sobre brasas ardentes, voando sob a chuva ácida. Observo-os porque, em si, viajam pelo arco-íris. E é só isso o que importa.
Há um ano, minha verdade era outra. Meu princípio era outro. Minha filosofia era outra. 
Mas isso não importa. Há um ano, o mundo era outro, como cada um de nós. O que fizemos? O que faremos? Só depende do quanto saberemos ceder. Saberão.
Ignoro os lados para os quais desdobraram. Não que isso importe. Nada importa. No entanto, de olho na foto, basta-me que, um dia, flores assim tenham brotado - e que olhos a tenham visto, e que mãos a tenham tocado.
Não é otimismo, nem conformismo, nem ismo algum. É Aristóteles.


dimanche 8 décembre 2013

O Segredo do Pierrot

Com uma virada de seu lenço pardo sobre as mãos, elas tornaram-se em primavera, oferecendo botões vermelhos e amarelos à criatura miúda ao seu lado. Finalmente interrompeu sua indiferença, desviou os olhos e fitou a mão de dedos longos a rodear as flores como se deslizasse sobre uma redoma invisível. Subiu, acompanhando cada detalhe, até o rosto debotado do Pierrot, seus olhos tão azuis que só então percebeu. E viu o primeiro trincar. Ele viu seus olhos brilharem acendendo uma luz naquele abismo e uma curva delicada em seus lábios rasgar-se em um quase sorriso que lhe foi como o amanhecer. Esticou o braço em um floreio. Vencida, fechou o diário e pegou-as com as duas mãos, baixando-as em seguida até afundarem nas pregas de seu vestido, de cabeça baixa novamente, sentindo um carinho quente chovendo daquele estranho. Sorriu de novo,
para as próprias mãos, com uma gota pendendo dos cílios, não vencida - agradecida.
Quando a chuva cessou, foi-se toda tinta, o calor e os sorrisos. Lavou-se a máscara. Ela levantou os olhos e retraiu-se com a vista. A face desnuda e miserável... Do Arlequim.

mercredi 27 novembre 2013

Sobre a Entropia


Acima de tudo, acredito no respeito.
Acredito que não se deve levantar a voz aos pais. Que não se deve humilhar os professores. Que não se deve olhar às cores.
Eu acredito que não se deve privar o outro de ser. Que não se deve ignorar as carências. Que não se deve reter o troco. Que não se deve faltar à palavra.
Eu acredito que não se deve impor nada a ninguém.
E eu acredito que não se deve mentir.


Mas quando chove, a enxurrada respinga aleatoriamente. Quando venta, a roupa chicoteia no varal. Poucas horas depois da vassoura, as árvores perderam folhas o bastante para alimentar todo o inverno. E elas me cobrem o pé quando piso. E o barro não me pede permissão para sujar as meias brancas. E o mar se revolve incessantemente, batendo nas pedras e te impedindo de dormir. E o melhor presente não obedece ao calendário.
Surpresa. Revolução. C
                                   a
                                     o
                                       s
                                          .
                                            .
                                              .
O caos reina no universo. A natureza reina no caos. - Enquanto caos. 

E as pessoas que falam baixo, são apenas as que falam baixo. E sempre serão. As que compreendem, são apenas as que compreendem. E sempre serão. As que toleram, são apenas as que toleram. E sempre serão. Esses que ouvem,  são apenas os que calam. E morrerão com gritos sufocando-lhes a garganta. E os que não reclamam de volta, são apenas mais desonestos - educadamente. E morrerão em um inferno maior do que o daqueles que ficaram com o excesso. E as pessoas que obedecem, são apenas as que obedecem... E vão morrer,... vãs.

´Porque o mundo, meu bem, é erguido sobre ossos. Porque o cimento, meu bem, é suor e excremento. Porque as cores, meu bem, ah, as cores mais belas são as que sangram. E meus olhos azuis, e seus dentes brancos, e aquele bronze dourado não vale o mesmo da neurose deles. Terno, véu e tecido engomado só fazem mais um. E igual.
Porque o mundo, meu bem, o mundo pertence ao caos. Do pó ao pó. Do caos ao caos.
E o caos, meu bem, o caos é dos que gritam.


*Foto: Raphaelesque Head Exploding. Salvador Dalí. 1951.

dimanche 10 novembre 2013

"As untouched,

...snow turns red,
innocence dies."                                                          (Feint, Epica)

[Outubro.2011]

Menina Branca de Neve,
Por que essa dor no olhar?
Mefisto não se despede,
Não deverias ainda esperar.
A fantasia que contigo esteve,
A epifania de um momento breve,
São coisas que ele faz para brincar.
Menina branca, vê se despe a neve,
Que tu não podes mais que congelar.

[...]

E tu te cercas de pranto orvalhado,
E tu te exaures no sangue chorado,
Agora acerca-te do parapeito,
Pr'arremessar-se não precisa jeito.
Que se de nada te serve a altura,
Se já as águias não te vêm buscar,
Ouse ao menos nessa aventura e,
Quem sabe, morras sabendo voar.


26.Ago.2013

O poema mais longo que já consegui, quem sabe um dia me desapegue e o poste todo.

mardi 29 octobre 2013

Limite

"Ora, numa dessas ocasiões, as palavras soaram-lhe repentinamente aos ouvidos, Não aprendeste nada, e nesse instante o sentimento de ausência, de falta, de solidão, foi tão forte que o seu coração gemeu, ali estava ele, sozinho, sentado na margem do Jordão, olhando os pés na transparência do rio e vendo manar de um dos calcanhares um leve fio de sangue, e lentamente mover-se entre duas águas, de súbito não lhe pertenciam o sangue nem os pés [...]". [Saramago, em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, p. 222-3]

dimanche 20 octobre 2013

Get the lights down

De vez em quando eu olho para fora. E meu peito aperta e me levanta um soluço até a garganta e minhas mãos tremem e meus olhos choram.
De vez em sempre eu olho para dentro. E o vento ruge e a terra voa e o silêncio pesa e a morte exala.
De uma vez por todas eu olho para o espelho. E eu rasgo e eu me encaro e o rosto enxugo e eu aprendo.

Você não é feita de outro modo.

Eu urro. Mas calo. E de pronto repito e tomo nota. Para não esquecer. Como aluna obediente.

samedi 12 octobre 2013

12.10

**


JUVENTUDE, Fernando Pessoa. "A primeira nutrição literária da minha meninice foi a que se encontrava em numerosos romances de mistério e de aventuras horríveis. Pouco me interessavam os livros ditos para rapazes e que relatam vivências emocionantes. Não me atraía a vida saudável e natural. Anelava, não pelo provável, mas pelo incrível, nem sequer pelo impossível em grau, mas sim pelo impossível por natureza.
A minha infância decorreu serena (...), recebi uma boa educação. Mas, desde que tenho consciência de mim mesmo, apercebi-me de uma tendência nata em mim para a mistificação, para a mentira artística. Junte-se a isto um grande amor pelo espiritual, pelo misterioso, pelo obscuro, que, ao fim e ao cabo, não era senão uma forma e uma variante daquela outra minha característica, e a minha personalidade será completa para a intuição."

dimanche 6 octobre 2013

lundi 16 septembre 2013

Juncos

Campo aberto
Desenvoltura
O mesmo poder de decisão
Que tem um pêndulo
À mercê do vento

Sem referência
Desproteção
A mesma firmeza de terra
Que tem os pés de anjos
A pisar nas nuvens

Muros caídos
Despejo
Nas costas o mesmo sustento
Que tem a casa sem pilares
A tombar

A então plenitude
Desprevenção
Aquela imponência sob o vento da relva
Que o tem de todas as direções
A lhe fustigar

O desapego
O destemor
Desimportância

É o que há
Para hoje

mardi 3 septembre 2013

Querido Patrulheiro, Maldito Jardineiro...

02 de Setembro + 1

“Acredito que aos 19 a pessoa tem o direito de ser arrogante; geralmente o tempo ainda não começou suas furtivas e infames subtrações. ...

Demorei pra me lembrar de que já conhecia esse texto d'A Torre Negra. O Stephen King é ótimo (salvo certas bizarrices), mas, de início, poderia muito bem ser autoria sua, e muita coisa poderia muito bem ser dita pra mim - a começar pelo número.

"O Patrulheiro mesquinho acaba mais cedo ou mais tarde podando você"
O tempo vai nos desapaixonando aos poucos... Vamos nos homogeneizando, nos assumindo como apenas mais um. Será que precisa ser assim? Eu queria que a face cada vez mais borrada e ensombrecida no espelho me respondesse ao invés de se mostrar cada vez mais apagada. Mas é isso que ele faz, não é? O Patrulheiro e o Tempo: nos podam, nos levam a força de explosão, nos pressionam, diminuem, apagam. Nos fazem grãos de areia.
Sim, nós somos grãos de areia. Somos menos. Átomos de hidrogênio flutuantes, é como ele diz. Mas e daí? Por que, então, não nos definirmos - no mínimo? Sem
UM, O grão de areia, que seja, mas O.
De qualquer modo, é meio inútil, querer ser definido perde o sentido quando começamos a nos definir.
"Tudo o que é sólido se desmancha no ar". O não sólido também. Os sonhos, o Gaiman diz, e o bater do coração.

Obrigada, Marcela, pelo texto e por tudo. Me fez voltar a pensar, e isso é sempre bom. E obrigada por ser também um pedacinho de poesia, que tenta ser mais que um grão de areia - que seja um ponto final ou um pingo no I, e que seja em forma de coração!, haha, assim a gente aglutina, divide, aumenta, e a poesia prevalece.
Enquanto ela viver, como a Torre, ela nos mostrará para onde rumar. (:

Acho que agora já sabe meu pedido. Mesmo assim não o direi, pra ele se realizar.


fffuuuu!

lundi 2 septembre 2013

Tabacaria

"neste lugar solitário
faz a conta doída:
em lançamentos diários
a soma de sua vida"
(Jose Paulo Paes)





Tudo previste. De algum modo, sempre soubeste de tudo. O que será que eu seria hoje? O que dirias? Que aprendi? Que te ouvi? Olha para mim, hoje: escrava do relógio. Ao menos não maldigo... No entanto, depois de tudo, eu não pude e dei ouvidos - e quis rupturas no silêncio.
Fraca. Quebrei-me em tantos pedaços que não sei mais contar. E matei tantos deles, deixei tantos de mim para trás...
Mesmo assim... E se eu dissesse que, de alguma maneira, em uma pequena face desse imenso e multifacetado prisma, eu estou bem? Que dessa pedra tosca, opaca e desbotada sobrou um lado no qual, sabe, eu sou de algum modo feliz? Orgulhar-te-ias de mim?
Não irresponsável, não exagerada, não insuportavelmente. Feliz. Apenas. Quase sem perceber. Limpa. Estou finalmente respirando, entende? Como uma ilha. Como a torre na ilha. Quebrada, desbotada e abandonada. De pé.
E se eu dissesse que é uma felicidade triste, e ainda assim bela e arejada? Que seu riso é silencioso, mas agradável, que é fraco, mas encantador? Que ele força-me os lábios, mas que mos adoça?  E que ela me olha com ternura, compaixão e... amor? E que ela me protege de todas as minhas velhas dores, e me esvazia de cada sangramento? Virias comigo?
E se cada sangramento fosse eterno? Ajudá-la-ia?
E se a única falta for desconhecê-la? Ficarias satisfeito por mim?
Sangraria comigo? ... voaria comigo?
Indago se me podes ver. Aqui, tristemente feliz. Mas não, querido. Não. Está tudo girando. As coisas subitamente estão pulsando, pungentes.
É que a dor é tão grande.
Ela é tão silenciosa que nem grito, e me está assustando. Cravo na peles as unhas, gemendo, apertando os olhos. Percebes?
Não, eu não estou bem. Diz-me o que fazer. Diz-me... Que farias? Soubesses, mander-me-ias ser feliz? Mandar-me-ias arriscar? Pudesse ser tudo posto a perder, insistirias? Fica, Silêncio, ao meu lado. Quieto e presente. Pesa. Que diz agora? Dir-me-ias que tente?
É que dói tanto... Dói.
Não quero que volte na noite. Não há águias aqui para voarmos. Quero que digas apenas. Será que a cada vez mais doerá? Será que a cada vez mais sangrará? Sempre mais, e mais, e mais... Será que vou sobreviver? Não quero, porém, sobreviver. Não assim. Diz-me, então, queres que tente de verdade?
"Às vezes, só às vezes, eu queria não precisar morrer."
É que... de repente... a dor é tão grande.


"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."
(Saramago)

Retrato do Poeta Quando Jovem
(Saramago)
Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
 No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.

samedi 24 août 2013

Dualismus


Por fim, o começo

O Verbo

O Branco e a Tinta
A Palavra e o Ruído
A Melodia e o Caos.

A Dança e a Queda
O Casulo e o Vôo
A Flor e o Botão.

A Cascata e a Sede
A Febre e o Cadáver
A Explosão e o Gelo.

A Seiva, o Pus
O Choro, o Sangue
O Afago, o Punhal

O Silêncio.

O Começo do Fim


22.Ago.2013



jeudi 15 août 2013

Agosto... Desgosto*

Na cabeceira.
Todos os dias.
Para ler.

No travesseiro.
Todas as noites.
Para não esquecer.




Caminhemos
Sem perguntas
Como os suicidas
Que jamais indagam
A profundidade do abismo
(José Paulo Paes)
Aindanãoestamosacostumadoscomomundo.Nascerémuitocomprido.
(MuriloMendes)





[Título roubado de um texto em O Livro Azul, de Daniel (sobrenome esquecido)]

vendredi 9 août 2013

Cálice




"[...]
E eu, tendo mais alma, tenho menos liberdade...
Nasce um peixe, aborto de ovas e lodo e, feito um barco de escamas sobre as ondas, ele gira, gira por toda parte, exibindo a imensa habilidade que lhe dá um coração frio.
E eu, tendo mais escolha, tenho menos liberdade..."


[Trecho do filme Tempos de Paz
Texto: A Vida É Sonho, de Calderón de La Barca]

jeudi 1 août 2013

IntrospectioN

[Um quase texto de auto-ajuda]

Conheça a sua solidão.
Faça-se companhia e esta nunca mais lhe será negada
 e o vazio nunca mais se tornará a abrir
e você nunca mais estará só -
porque a sua solidão é a única coisa que ninguém pode tirar de você.


     Existe, sem dúvidas, um inconsciente, todo um interior inatingível. No entanto, sobre essa questão das razões, dos motivos, as pessoas se equivocam. Se passassem mais tempos sozinhas, estariam sempre certas do seu próprio lugar.
     Essa ideia de "ser social" sobe à sua cabeça e se torna um escudo sem que seu verdadeiro significado seja alcançado. Se passassem mais tempo sozinhas, descobririam que o outro é só vizinhança, e não necessariamente engrenagem do sistema. E não precisariam de amigos para aconselhar, não precisariam de terapeutas para responder, nem de família para acusar o ridículo.
     Nós estamos distribuindo o conhecimento de nós mesmos em fragmentos inacreditavelmente pequenos entre todos os muitos ao nosso redor, conferindo-lhes - impondo-lhes - um dever que não lhes cabe de sustentar nossos medos por nós, de assumir nossas vidas por nós, de tomar em suas mãos a obrigação de por o pé nesse labirinto que criamos sós e que, por fim, nos amedronta e afugenta. Um labirinto do qual fugimos e que, muito provavelmente, nem existe.
      Atrás dessa porta que você esconde em seus olhos há somente um abismo, e por isso você não quer entrar. Porque, no fundo, você sabe.




samedi 6 juillet 2013

Carta XIX

     Hei! Faça silêncio agora, que vou contar uma história.

     Menino... Você se lembra da época do Grande Abismo?
Naquele tempo, o Equívoco gelou a Verdade, e a Verdade abriu-se para a Dúvida. Os Homens são estranhos - daquela vez não houve conflito ou guerra. Mas talvez seja isso o que as verdades fazem, as grandes verdades. Abalam.
     Aquele ponto caiu pesado e desmoronou o Universo,quebrou-o em fragmentos fragmentados e jogou-os a tal distância que nunca a Humanidade entendeu - tampouco acreditou na re-união. Desde então, o Universo é menor, as flores brotam em silêncio e as borboletas não mais explodem. Porque som e cor foram divididos, ação e reação, corpo e alma.
     Matéria e anti-matéria.
     Mundo e não-Mundo.
     Você se lembra daquelas longas eras de escuridão? Do brilho raro dos fogos-fátuos em busca de um lar?
     Então, naqueles dias, o Medo calou o Universo e, embora envelhecesse, ele não se moveu. As pessoas não plantavam nem criavam, porque mundos mortos não podem gerar vida. Se nem As Duas Árvores resistiram à força da Dúvida, por que Universos comuns resistiriam a tanto rancor e a tanta mágoa?
     Sabe, Meu Pequeno...? Acho que as pessoas se suicidam por coisas bobas. Mundos também. Você não acha? Eu acho. Mas a luz da Paciência era de segunda ordem naqueles dias. Não as culpo. A Dor e o Terror eram intensos depois que o Vazio rodeou o Universo.
     Então, em um certo dia, a Lei precisou ser cumprida. Pura rotina. Lei Física. Nada demais. As pessoas não a notaram mais do que notam a gravidade ou a oxidação. Mas, em um dia qualquer, como se não fosse algo mais incomum do que a chuva no verão, acordaram no topo da Montanha, e de lá não vislumbraram o Vazio. Botões romperam a quietude. E borboletas explodiram.
     Você se lembra da neve? Até hoje não se sabe se caiu em todos os lugares, mas ela choveu das asas das borboletas, no topo daquela montanha, como cristaizinhos cintilantes. O Inverno chegou quente como o entardecer e as pessoas afrouxaram a tensão.
     É por isso que até hoje existe o Medo. Medo do Escuro, do Vazio. Principalmente da Verdade. E só a Verdade cura a Verdade, Menino.
     Anoitece e preciso partir, já não tenho idade para esse sereno. Fique com o livro. Eu o trouxe para você, as enfermeiras não se importarão. Guarde-o com carinho, que a História do Mundo cabe aí. Terminarei quando voltar. Ah! Antes que eu me esqueça... - e deixou uma caixinha entalhada na cabeceira antes de dar adeus com as mãos finas e enrugadas. Nela ele encontrou doces embrulhados em papel metálico, com pequenos desenhos dourados. Do fundo havia um brilho. Ele a virou, deixando o conteúdo cair em sua mão, e sorriu frouxamente para a porta fechada enquanto desenrolava nos dedos um velho fio de prata.


15.Maio.2013

PS: Aproveite seus anos mortais, Pequenino. E que sejam longos.

lundi 17 juin 2013

"Quando há ferrugem no meu coração de lata..."


"Vocês querem saber porque não levo a sério essas panacéias sociais? É porque não creio, repito, na bondade inata do homem. O homem está mais perto do animal do que ele próprio imagina. Tem ainda a marca da jungle. Essa história de amor cristão, do altruísmo, etc, não passa de conversa fiada. O homem hipocritamente se atribui sentimentos e qualidades que na realidade não possui. [...]  É, vamos dizer, um carreirista safado no campo moral."

Eu.
Bem. Romântica. Utópica. Paradoxalmente, muito realista. De leituras sem fim, descobri um sem dim de outras maneiras de levar o mundo, e sempre quis que elas fossem reais, quis que fossem fáceis e que o mundo terminasse em um feliz para sempre como na maioria deles. 
Se isso importa agora? Não. 
Todo esse "nunca acontecer" me esgotou. Hoje? Cética. Nem lá e nem cá, que nenhum partido vale a pena, nenhuma cor, nenhuma bandeira, nenhum slogan. Somos, no fundo, inescapavelmente, seres humanos, e tudo o que pára nas mãos dos homens acaba errado. Não é preciso saber muito de história ou de tragédias gregas para saber disso. Nessas horas, sempre me lembro do Tio Bicho, quando o conheci, há alguns anos: "É uma sorte o pôr-do-sol não depender do governo de nenhuma autarquia, porque, se dependesse, o trabalho cairia nas garras de funcionários incompetentes e desonestos, haveria negociata na compra de material, acabariam usando tintas ordinárias... e nós não teríamos espetáculos como este."
Em síntese: bom é que nada fique nas mãos dos homens.

Esse desapaixonar-se é bem complicado. Ser imparcial, sóbrio, racional, faz lá suas podas também. Essa busca por uma tal "verdade", "a palavra mais justa e a mais serena, que no fim das contas era quase sempre a mais crítica e a menos humana", nos faz, ironicamente, desumanos. Acabei por perder a anima disso também. O tal mito da caverna? Descobri ser bobagem de filósofo. O escuro do quarto é muito melhor do que queimar os olhos na luz do sol e ter tanto ar para filtrar. Os finalmentes? Cansaço. Tanto discurso e ladainhas e faces bravias nunca resolvem o problema. O fogo que explode no primeiro embate murcha bem rápido quando surge a necessidade de pensar, de dar nomes e a cara a tapa. Não dá muito para insistir sozinha, quando todo mundo ia embora, passando a bomba para frente.
Ganhei essa alma velha rabugenta - desprezível -, e não consigo não pensar algo como "voltem para a casa que em uma semana isso não importará mais. Não sejam tolos."
O meu slogan? Não há conserto. Não há esperança. Só explodindo tudo - por mais triste que fosse queimar borboletas, lobos e tulipas. Que o melhor é amarrar os humanos no precipício e deixá-los definhando à mercê dos corvos. Um movimento e duas metas cumpridas: o homem sofre o que merece e o mundo se livra dele. Todos ficam felizes.

E eu resisti. Ignorei. Olhei por cima e fingi não ser comigo. Logo passa. Hoje é bonito fazer revolução. E não, não é fascismo, é fato. Mas então não deu mais... Aquele bichinho voltou a revirar no estômago e começou a querer falar por trás das muitas mordaças que lhe impus. Tudo isso. Toda esse energia... sim, você não sente a energia, a vibração, um sorriso bobo subindo pela garganta, tentando romper entre seus dentes? Eu sinto. Tudo isso é lindo. É bonito.
É vazio também. Oportuno, hipócrita, preguiçoso. Cheio de auto-afirmação, de egoísmo e de muita - muita - ignorância. Cheio também de julgamentos superficiais, de clichês e de poses. E, aguarda, a acomodação vai se fazer notar de novo - apenas saiu para o almoço. Eu, bem, não "sempre soube", mas descobri que é assim. Tolkien - de novo ele - já escrevera que "é sempre assim com as coisas que os homens começam", e que após uma chuva ou uma geada "suas promessas fracassam". Sim, é. Quando o fogo apagar, voltarão para seus sofás e para suas frases de efeito, esquecerão as palavras de ordem, e só se lembrarão da dor e do esforço se tiverem sido o bastante para alguma cicatriz.

Mesmo assim... Mesmo assim, com esse ceticismo engolindo meu romantismo adormecido que tenta despertar. Mesmo assim, com minha descrença amenizando toda as expectativas. Mesmo assim, racional o suficiente para saber que o mundo amanhã vai amanhecer o mesmo. Mesmo assim...
Por favor...
...não me decepcionem.
O que está acontecendo é mesmo lindo. Olhem-se no espelho e convençam, não a mim, mas a si mesmos de que querem, sabem e podem fazer algo. De que, se não puderem, ao menos desmintam Tolkien, e não deixem fracassar as sementes.

Hoje, eu quero dar um voto de confiança, eu quero que seja coerente arriscar, eu quero que valha a pena confiar. Hoje, só hoje, eu quero ter esperanças, eu quero querer que dê certo. Então, por favor, não decepcionem. Não decepcionemos. Porque, que sejam por quinze minutos, o mundo acredita em nós.

[Citações de O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo.]


[Tela Morning Blossom, de Vladimir Kush]

"Cravos e tulipas bombardeiam
Um jardim novo se levantará
[...]
Amanhã... Será?"

[O Teatro Mágico, Amanhã... Será?]



mercredi 5 juin 2013

Menina

Os astros dela jogam e se escondem como seus primos na casa da avó.
E ela não tem vergonha nenhuma de cantar
Eu me pergunto se algum dia será, assim como eu, tão só,
Ou se esse sorriso doce saberá apenas aumentar.

Seus olhos não mentem seu coração e sempre traem seus medos
E ela sempre segura para não chorar
Eu me pergunto se um dia se fechará em segredos
Ou se essa transparência pura vai durar

Em traços tremidos se faz artista, em canções e rimas se faz poeta
E ela é cheia de histórias para contar
Eu me pergunto se saberá na arte se fazer completa
Ou se vão deixá-la no mundo para sufocar

Entre ela e os outros, facilmente se perde em quem ser
E ela se nutre de desejos e vontades
Eu me pergunto se dela o tempo igual vai fazer
Ou se a envolverá um dia a real liberdade

Beija e afaga não por cortesia, sorri já pelo despertar
E ela tem o calor do sol nos abraços
Eu me pergunto se consigo os irá carregar
Ou se cairão perdidos em seus passos

Eu me pergunto, eu me pergunto
Ou isso, ou aquilo, o que seu futuro trará
Que há muita coisa nesse mundo
Tempo e infância, que não podemos controlar

Mas, que seja, então,
Destino, Carma, Sina,
O que quer que seja
Que as sortes determina
Não apague nas mãos
O que é em pequenina
E que em seu rosto sempre eu veja
O encanto doce de menina


05 de Junho de 2013, Feliz Aniversário.

lundi 27 mai 2013

Suicídio




As marcas das pedras na pele exposta
Os pés nunca mais lamentaram
O toque embrasado do fogo solar
Não era mais dor que se evitasse
As pedras de gelo e a chuva grossa
Tampouco agora incomodavam
Nem urros, sussurros, sorrir ou chorar
Feriam de modo que incomodassem

O céu nunca mais foi mirado
O mar nunca mais avistado
E os sons nada mais que ruídos
Nenhum verde mais foi encantado
Nenhum passo de novo dançado
E os sabores não mais permitidos

Sem armas, as mãos viram garras
Língua vira farpa
Olhos viram brasa

Sem força, despencam-se as asas
Opção vira carma
Peito vira casa

Sem sonho, foge todo o medo.
Sem esperança, o desassossego.
E desapega-se do apego.

Liberdade, em fim.
Tudo para o alto.

Desceu lentamente garra
Mirou gravemente farpa
Dispôs sutilmente a brasa

Nunca mais quis querer voar.
E matou todas as borboletas.



[Imagem: The Hostile Branches Of Whistling Fog Forest, Brook Shaden]

lundi 6 mai 2013

Distorção Bárbara

Não existe "lugar do outro".
O lugar do outro, por si só, é segregação.
O lugar do outro é o teu lugar.

Não existe o "abrir espaço para o outro".
Abrir espaço para o outro é julgá-lo incapaz.
Abrir espaço para o outro é ser o seu espaço.

Não existe "ensinar o outro a falar".
Ensinar o outro a falar é torná-lo mudo.
Ensinar o outro a falar é aprender a sua fala.

Relações são mãos duplas e o cânone é uma palhaçada.
É um palhaço, no topo do mundo, esperando que se curvem.
É uma piada, de língua estrangeira, esperando que a entendam.

Tu e ele são iguais.
O Mundo é, para vós, um só.
E não pertence.
E não serve.
A nada.
E nesse nada Tu e Eu somos o mesmo.

A civilização é uma invenção dos fracos.
E nesse nada, a civilização é a barbárie.


mercredi 1 mai 2013

O Décimo Primeiro Mandamento


"E trabalha, mata-te a trabalhar, rebenta se for preciso, que assim deixarás boa lembrança no feitor e no patrão."
[SARAMAGO, José. Levantado do Chão, p.74]



O que é que se faz quando a submissão se torna em virtude? Quando o auto-flagelo é ostentado por troféu?
É preciso rever as prioridades... É preciso e logo...


"Tendo nascido para trabalhar, seria uma contradição abusarem do descanso. A melhor máquina é sempre a mais capaz de trabalho contínuo, lubrificada que baste para não emperrar, alimentada sem excesso, e se possível no limite econômico da simples manutenção, mais sobretudo de substituição fácil, se avariada está, velha outra, os depósitos dessa sucata se chamam cemitérios."
[p.327]

mardi 23 avril 2013

Nada de Novo no Front

[ Carta VIII ]


É fascinante, inacreditável. É incrível.
É... é simplesmente inexplicável a forma como alguns livros, por vezes, dizem exatamente o que o leitor precisa, saciando o vazio do mais profundo de seu inconsciente. Este diz, e está trazendo de novo o velho eu que nunca quis que desaparecesse de mim. Ele... ele está me trazendo a esperança de volta. Ele está me trazendo de volta.
Ele me coloca a mão sobre a cabeça, e eu o ouço sussurrando como se me mandasse parar.
Respira, devagar com esse passo. Respira, pára de atropelar as coisas nesse teu levar a vida cegamente. Respira... Larga mão desse deixar para lá.
Pára agora. Não tens de te arrastar assim. Espera um segundo e deixa que cada coisa se acomode em seu lugar. Põe-te, tu, no lugar. Põe tudo no lugar.
E retoma o controle.
E diz bem baixinho: Retorna para ti.
Pára.
Pára.
Respira.
E silencia.
Sabe... é simplesmente inexplicável a forma como algumas vozes, por vezes, continuam nos dizendo o que fazer - mesmo de longe. De tão longe... E elas voltam no tempo, através de cada palavra. E elas me lembram de quem sou. De quem sou de verdade, no interior mais escondido, em minha forma mais despida e pura.
Obrigada.
Obrigada por suas vozes. Obrigada por me ouvirem. Por me lerem e me contarem a minha história, mesmo quando não consigo compreender a sua. Obrigada por, no bolso, na mochila, embaixo do travesseiro ou trancafiados no armário, não saírem de perto de mim.
Obrigada, pois estão sempre lá. Pois sua voz ainda está lá. Por, a cada dia, me ensinar o caminho de volta, e por me ajudar a percorrê-lo.

25/Jan.

*****

"A poesia lírica, no que tem de mais forte, ensina-nos a falar conosco, e não com os outros."
Harold Bloom

Mais um 23 de Abril, Dia Internacional do Livro.
Mais um texto dentre os tantos onde os aponto como minha referência, como meus objetos de memória e de conhecimento. De autoconhecimento. São as histórias dessas memórias, mais do que as que trazem impressas, as que os livros nos contam. São os olhares de nossos próprios olhos os que eles nos revelam. São quem nos mostra que ainda estamos, em algum lugar, inteiros.
Outro foi meu plano para hoje, mas o texto que sobrou - imprevistos à parte - foi este. Mas descobri que ele serve. Descobri que, ele mesmo, também fala comigo, e com qualquer um que reconheça nas palavras - técnicas, filosóficas, fantásticas, espirituais, lógicas, violentas ou românticas - mais do que apenas desenhos de tinta fria.


"But I do believe something very magical can happen when you read a good book."
J.K.Rowling

samedi 20 avril 2013

Sobre As Promessas




Prometer é tentar deter o tempo.
Um passeio, um café, uma visita. Projeções futuras para tentar garantir uma extensão do presente. Ao menos, até ali. Aqueles temerosos pelo vazio de suas mãos buscam, com isso, a certeza de mantê-las cheias. Não querem virar as costas, não querem ver o que se mostra à frente, logo após essa cortina espessa de águas escuras.
E às vezes nem tão espessa.
Porém, cedo ou tarde, é definitivo. É inescapável. Não se pode diminuir o passo ao extremo do zero. Não se pode esticar um instante ao extremo do infinito. Hora ou outra o cordão, não se rompe, se arrebenta, então cai com um baque a percepção de que ele nem sangra - de que essa mania de planos resulta somente na obrigação de se levar um peso morto consigo estrada adiante.
Então, novamente,de uma súbita fraqueza outra promessa nascerá. Porque, novamente, não se quer saber o que poderá substituí-lo.

Humanos...

mardi 2 avril 2013

Sem Saída

Pegar é largar
Partir é ficar
Falar é calar
Seguir é voltar

É desconhecer, o explorar
É fundo cair, se levantar

E se foge para chegar
E se acorda para ninar
E se mata para salvar
Muito mais que por matar

Então clamas: Ai de mim!
Que mais a ganhar teria
Não rumando por aqui
Mas por outra cercania

Que inocente és, pois sim!
Como é vã tua agonia
Perderias tanto assim
Quanto talvez lucrarias

Que cada universo em que entras
De outros te vai afastar
Para cada amor que acolhes
Dezenas vais despedaçar

Para um amigo que enlaças
Outros vários vais abandonar
Para uma dor que obliteras
De outras muitas tens de te lembrar

Que o mundo é mesmo assim
Estende a mão para retirar
Escolher é sempre perder
Ainda que se escolha ganhar

No entanto estás fadado a ele
E jamais poderás escapar
Tua existência ele tem o poder
De à sua vontade arrastar

E teus instantes ele vai roubar
E teus sorrisos ele vai borrar

Sem esperanças, tu vais sufocar
Que tua energia ele sabe esgotar

- Ei, ei... Mundo velho sem porteira...

lundi 25 mars 2013

Lá e De Volta Outra Vez




" 'There lies the woods of Lothlorien!' said Legolas. 'That is the fairest of all the dwellings of my people. There are no trees like the trees of that land. For in the autumn their leaves fall not, but turn to gold. Not till the spring comes and the new green opens do they fall, and then the boughs are laden with yellow flowers; and the floor of the wood is golden, and golden is the roof, and its pillars are of silver, for the bark of the trees is smooth and frey. So still our songs in Mirkwood say. My heart would be glad if I were beneath the leaves of that wood, and it were springtime!' "
(In: The Lord Of The Rings, vol.I, The Fellowship Of The Ring)


Encarar faces pálidas no Pântano dos Mortos, sufocar sob o sol das planícies de Mordor ou encurralar-se sob as nevascas de Caradhras. Vislumbrar o céu espelhado em Kheled-zarâm, mergulhar no encantamento das duas Luzes que banham a Cidade dos Valar, voar sobre o vale que abriga Gondolin, a Branca, ou simplesmente deleitar-se na inocência do verde do Condado. Existe um quê de maestria que só Tolkien possui ao dar vida à sua terra, e basta uma palavra para que o papel exale o odor de sua grama, o sal de seu mar com o cantar de suas águias, e para que o passar das páginas sopre como brisa ou tempestade.
Além disso, sempre se pode visitar as crateras da Lua ou o fundo o Oceano pelos olhos do pequeno Roverandom.

A escolha recai sobre o Explorador.

Tolkien Reading Day

Em um outro tempo, em uma época muito distante, onde elfos, anões e hobbits ainda habitavam a Terra, mais precisamente, em 25 de Março de 3019, finalmente, Sauron, o artífice do Um Anel, caía. No entanto, há muito que os relatos de sua estada neste mundo se perderam, ocultos por névoas de tempo, e já poucos se perguntam o que existiu para além da Era dos Homens. 
Nesta Era, o 25 de Março é o oportuno Dia de Ler Tolkien. 
Instituída pela Tolkien Society, a data é comemorada há exatamente uma década, e é marcada ao redor do mundo - esférico já há algumas eras - das maneiras mais diversas. Para 2013, o tema escolhido é Paisagens. Não que seja tarefa pequena decidir qual o lugar mais agradável, mais surpreendente ou mais fascinante pelo qual homens de uma e outra eras marcaram seus passos. Pudesse, eu escolheria todas.



"Ali ficaram. E, se quisessem, podiam ver a luz das Árvores e caminhas pelas ruas douradas de Valmar e pelas escadas de cristal de Tirion sobre Túna, a colina verde; mas principalmente velejavam em seus barcos velozes nas águas da Baía de Casadelfos, ou andavam junto às ondas na praia, com o cabelo cintilando à luz que vinha do outro lado da colina. Muitas pedras preciosas deram-lhes os noldor: opalas, diamantes e cristais claros, que eles espalharam pelas praias e pelos lagos. Maravilhosas eram as praias de Elendë naquela época. E muitas pérolas eles ganharam por si mesmos do mar; e seus palácios eram de pérolas, e de pérolas eram as mansões de Olwë em Alqualondë, o Porto dos Cisnes, iluminado por muitas lamparinas. Pois aquela era a sua cidade, e o porto de seus barcos; e estes eram feitos na forma de cisnes, com bicos de ouro e  olhos de azeviche. A entrada para aquele porto era um arco de rocha viva esculpida pelo mar; e ela ficava nos limites de Eldamar, ao norte de Calacirya, onde a luz das estrelas era forte e clara."

(In O Silmarillion, cap. V, De Eldamar e dos Príncipes de Eldalië.)

mercredi 13 mars 2013

Arcádia



O céu se está rasgando sobre os pilares de madeira, e os respingos finos produzem um leve ondular das poças sobre o cimento. Por dentro não há dessa terra, terra vermelha que se umedece sem tornar-se em mistura lamacenta, fazendo com que as folhas caídas se lhe mesclem, e também as raízes grossas dos troncos maiores. Mesmo dos mais esguios saem fios delgados e sinuosos, entrando e saindo do chão, assemelhando-se a um enorme sistema circulatório com muitos metros de área ao entremearem-se nos bancos ali dispostos. Nos bancos e mesas frios as gotas caem e saltam alto, até que são, inevitavelmente, bebidas pela terra. Aquela mesma terra, vermelha.
Os corpos das árvores brilham, e mesmo assim mostram-se como secos, jamais curvam-se sob a notória superioridade da chuva, impondo-se orgulhosos em sua óbvia vulnerabilidade. Mais vulneráveis, porém, são os humanos, encurralados, a rodearem o pátio, esse mar de estrondos abalando-os mais do que as paredes sujeitas a um constante receber de trovões. E a medida que o véu se fecha encolhem-se como presos em uma malha que não os envolve, malha que é na verdade seda sobre o horizonte, a ocultá-lo do sol de verão.
E o verão aos poucos faz-se oculto, faz-se outono, diluindo o azul de seu meio-dia nas folhas que principiam a cair e quebram-se como o biscoito seco da tarde de domingo sob os pés dos sem luz. Por ironia, é na ausência destes que ela se acende e passa a iluminar essa água, essa chuva solitária que cai tristemente calma, apesar da imponência com que o céu mente, rugindo.
Ruge também um bicho acuado, cá para dentro. Não, apenas geme. Não, nem mesmo murmura. Respira fundo e só, mescla euforia e melancolia quanto cai solitário. Solitário como a chuva, em sua calma triste. Mas há luz. Há nostalgia e luz. Há calma e solidão. Apenas não ruge e não faz arco-íris, mas existe. E cai solitário, em silêncio, em horizonte sem fim, em abismo sem tom, onde chove para sempre.

06, Março, 2013

lundi 25 février 2013

Escarificação

"[...] por isso em vez de dizer a senhora não me conhece, achei melhor, mesmo sem água, de boca seca e salgada, achei melhor me guardar trancado diante dela, como alguém que não retivesse nada, e na verdade eu não tinha nada pra dizer a ela; e ela queria dizer alguma coisa, [...] mas tudo o que pude ouvir, sem que ela dissesse nada, foram as trincas na louça antiga do seu ventre."
Lavoura Arcaica, pág. 64-5



O dia inteiro foi de afobamento. Um começar sem terminar, um fazer tudo ao mesmo tempo, um não sei aonde ir. No entanto, não foi o meu medo. Dessa vez, foi o deles, que não queriam ver, nem fechar os olhos, que não queriam partir e nem podiam ficar. "... as trincas na louça antiga do seu ventre" - e nunca houve descrição mais precisa.
Papéis. Cartões. Assinaturas. Horários. Camiseta. Caneca. Convite. Festa. Foto. Anda, anda, anda. Até que então a compreensão parte e dá lugar a um rude "você está indo ao lugar errado". Então voltamos. É... incrível, talvez?, que o remorso trazido por mistos de compaixão e pena talvez seja o único a reabastecer a paciência em poços há muito secos. Ao menos por instantes. Até que se dá conta que nada, nada, é justificativa.
Tudo bem, de qualquer forma. "Hoje pode", não é? Uma bala para a criança que for ao médico e se comportar. Eles o fizeram, e ganham então um cartão "vale-tudo". Só por hoje, só por hoje... E parece que sou eu a mãe, a vê-los tomando distância e murmurando comigo mesma:
- Eles vão aprender, eles vão aprender.
Ela me aperta o braço, os dedos muito firmes entre os meus. Ele mal me dirige o olhar, o rosto sempre virado enquanto fala. E fala, e fala. Olhos baixos, olhos altos, olhos distantes. Mas nunca meus. Os verdes cada vez mais límpidos, fazendo-se transparentes como água. Os pretos como um abismo cada vez maior. E nunca intransponível, eu sei tudo o que se passa ali. Aquilo que esconde e que quer se mostrar, que faz questão, de alguma maneira, de se fazer notado.
Abraço. Riso. Conversa. Abraço. Choro. Volta. Rodeio. Retorno. Abraço. Enfim os fios escorregam pela mãos até lhes deixarem as chaves. São as pessoas erradas dizendo adeus. São os lados errados da calçada. Sou eu errada, ficando quando deveria partir.
Apesar de tudo, hoje, sou eu quem acena da porta.Tranco o portão em suas costas, vendo-os de longe. E parece que sou eu a mãe, a vê-los partindo amuados e apaziguando-me a mim mesma:
- Um dia eles vão entender que é preciso. Com o tempo eles aprendem.


25/Fev/2013. 21h03min

jeudi 14 février 2013

Will You Be My Valentine?

Em muitos lugares, o Dia de São Valentim não tem seu significado restrito ao amor romântico, mas é o dia de manifestar qualquer tipo de afeto, como entre amigos ou irmãos.
Coincidência ou não, esse texto foi disponibilizado hoje no blog Outros Cadernos de Saramago (http://caderno.josesaramago.org/160102.html).
Talvez um dia compreendamos ser o Respeito a maior demonstração de amor entre quaisquer criaturas.  "Pode não ser uma utopia."


Problemas de homens
(José Saramago)
"Vejo nas sondagens que a violência contra as mulheres é o assunto número catorze nas preocupações dos espanhóis, apesar de que todos os meses se contem pelos dedos, e desgraçadamente faltam dedos, as mulheres assassinadas por aqueles que crêem ser seus donos. Vejo também que a sociedade, na publicidade institucional e em distintas iniciativas cívicas, assume, é certo que só pouco a pouco, que esta vio- lência é um problema dos homens e que os homens têm de resolver. De Sevilha e da Estremadura espanhola chegaram-nos, há tempos, notícias de um bom exemplo: manifestações de homens contra a violência. Até agora eram somente as mulheres quem saía à praça pública a protestar contra os contínuos maus tratos sofridos às mãos dos maridos e companheiros (companheiros, triste ironia esta), e que, a par de em muitíssimos casos tomarem aspectos de fria e deliberada tortura, não recuam perante o assassínio, o estrangulamento, a punhalada, a degolação, o ácido, o fogo. A violência desde sempre exercida sobre a mulher encontrou no cárcere em que se transformou o lugar de coabitação (neguemo-nos a chamar-lhe lar) o espaço por excelência para a humilhação diária, para o espancamento habitual, para a crueldade psicológica como instrumento de domínio. É o problema das mulheres, diz-se, e isso não é verdade. O problema é dos homens, do egoísmo dos homens, do doentio sentimento possessivo dos homens, da poltronaria dos homens, essa miserável cobardia que os autoriza a usar a força contra um ser fisicamente mais débil e a quem foi reduzida sistematicamente a capacidade de resistência psíquica. Há poucos dias, em Huelva, cumprindo as regras habituais dos mais velhos, vários adolescentes de treze e catorze anos violaram uma rapariga da mesma idade e com uma deficiência psíquica, talvez por pensarem que tinham direito ao crime e à violência. Direito a usar o que consideravam seu. Este novo acto de violência de género, mais os que se produziram neste fim-de-semana, em Madrid uma menina assassinada, em Toledo uma mulher de trinta e três anos morta diante da sua filha de seis, deveriam ter feito sair os homens à rua. Talvez 100 000 homens, só homens, nada mais que homens, manifestando-se nas ruas, enquanto as mulheres, nos passeios, lhes lançariam flores, este poderia ser o sinal de que a sociedade necessita para combater, desde o seu próprio interior e sem demora, esta vergonha insuportável. E para que a violência de género, com resultado de morte ou não, passe a ser uma das primeiras dores e preocupações dos cidadãos. É um sonho, é um dever. Pode não ser uma utopia."

In O Caderno 2, 27 de julho de 2009