samedi 26 août 2017

Manicure


"Our race into the night, my friend, has barely begun..." 
('How Many More of These?', Mikael Karlsson)
John Milton, Paradise Lost [Frankenstein's epigraph]


Sem muita graciosidade a toalha se desenrola e ela vê, sem emoção, os pedacinhos brancos caindo sobre a água e uma fraca nuvem de pó se dissolvendo.
Missão cumprida, pensa. Mais uma semana. E vai rasgando as linhas do seu calendário mental enquanto dobra a toalha.
- Que existência estúpida.
Ela o diz despertando num repente de seu mover-se mecânico e de seu olhar inexpressivo. Aquelas lascas de unha cresceram por, quanto?, uma semana? Menos? Apenas para serem cortadas e dispensadas. Que fizeram além de partirem-se, sujarem-se e enroscarem-se em qualquer coisa? Para que existiram além de tornarem-se em incômodo e despertarem nada mais do que o profundo desejo de serem destruídas? Talvez tenham sido úteis contra algum cravo ou espinha, mas somente para substituí-los por feridas mais profundas. Talvez tenham sido úteis para o rompimento de um lacre qualquer, para descolar um adesivo velho, mas tanto para tal servem, que partem-se em seguida e não podem ser usadas uma segunda vez. Talvez tenham sido úteis para ferir alguém, mas... ora, não sejamos tolos! Não é preciso ser muito talentoso ou especial para tanto, é?
E só.
Ainda assim, crescem. Uma semana. Outra. Crescem ainda.
Crescem e se descascam crescem e se desgastam crescem e se despedaçam. Definham. Por uma semana - quanto muito. Na única finalidade de morrer com um movimento de dedos que mal dura um átimo. Que foram? Quem foram? Uma semana de nada?
- Que existência estúpida. Repete sem ver que olha o espelho.
Uma semana. Outra. Segue-se ainda. Indo-se as unhas pela descarga indo-se os cabelos pelo vento indo-se os pés no asfalto indo-se o corpo pelo ralo como um chorume que escorre de sua vida espremida pela contagem regressiva. Vai-se o peso, vai-se um certo brilho, vai-se a vontade de não querer se ir. Todos os dias vão-se no tempo e, a cada semana, quando assopra para longe mais uma fileira de seu calendário imaginário, quem foi? Que foi? Que fez além de enroscar-se em tudo até ser nada além de incômodo? Que fez além de perder uma semana de chances de ser um algo qualquer? E outra. E outra.
Nada. Francamente! Nada. Agarra o vidro de acetona e a caixa de algodão.
- Que existência estúpida. Ela diz.