lundi 24 mars 2014

Inocências

Quando jovem, perguntava
'A que é que serve a vida?'
De que é que adiantava,
Se a gente sempre morria?

Em que é que compensava
Findar tudo em despedidas?
Convencido como estava,
Fez disto filosofia.

Antes quem não se arriscava
A viver feito de partidas
E evitava tanto vão.

Antes quem se resguardava
De uma vida dolorida
E não enchia o coração.


fev.2014

dimanche 9 mars 2014

Só Perguntas

"Tão habitual é rir-se a gente e logo a seguir ter vontade de chorar ou dar um berro de raiva que se ouvisse no céu, [...]. Um berro que se ouvisse em todo o giro da Terra, a ver se nos escutavam homens e a nós vinham, mas talvez não nos ouça por também gritarem eles."

[Saramago, Levantado do Chão, p.274]

[Blindness - 2014
Ideia saída de uma das cenas de Ensaio Sobre A Cegueira,
adaptado de Saramago por Fernando Meireles]



Olhando pela janela, você não acha que o mundo é muito bonito para ser tão feio?

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Então o mundo é só isso?

Mesmo?

Ele não parece pequeno demais? Não existe nada por trás das coisas? Então nunca parou para pensar onde é "atrás" e o que são as "coisas"? Nunca parou para pensar se há algo além do que se vê? Para você, tudo é assim tão preciso? Sempre?
Como pode acreditar que tudo - com seus deuses, seus pais, seus amantes e mestres -, que é tudo tão completo? Acha concebível que tudo tão fácil? Tão fútil? Mas você sabe, não sabe?, que para dançar não basta ouvir a música? Ou ao menos já se perguntou quem toca? E por que toca? E por que essa melodia e não outra? Os outros todos a ouvem? Desça mais: quem são os outros? Nunca se perguntou se poderia ser outra a canção? Ou outras?

Olhando ao seu redor, alguma vez se perguntou sobre os rostos? Parou para estudá-los? Observou se os risos são sempre felizes? E os choros, são mesmo tristes? Nunca teve vontade de sorrir vendo um par de olhos vermelhos? Despedaçar um risinho com os dedos? E gritar? E calar? E correr? Alguma vez olhou para o chão e duvidou de que esses andantes têm realmente aonde ir? Nunca quis saber se o ser acaba nessa casca fina, lógica e plástica? Por quê... Como consegue acreditar em uma obviedade tão extrema? Medo, raiva, desespero são assim previsíveis? Ensaiados e enlatados? Então em que diferem do seu almoço? 

Se pedir para se sentar, você senta? E se fizer perguntas, responde? Então, para começar, você não é capaz de ver os vultos chacoalhando ao seu redor? E os tremores em cada canto? Não consegue enxergar olhos brilhando em casa esquina? Não o assustou, nem uma única vez, o sangue entre as pedras do calçamento onde passeia a caminho dos seus palácios? Ou só vê o palácio? E esse pus grosso, esse odor dos humores que saem pelas torneiras, não te incomodam? Por acaso o veneno que te queima quando chove é doce?

Ou será que já está assim tão morto?

Por quê? Como? Pode dizer uma única palavra? Como não o toca esse mundo que desmorona? Como sustenta a vida quando tudo desaba? Posso olhar em teus olhos? Posso apertar sua cabeça entre as minhas mãos para tentar vislumbrar o que ela guarda? Por que as nuvens derramam estiletes sobre sua cabeça e ainda assim, ainda assim!, não se move?! Não vê o quanto se mente? Não vê como as virtudes servem impecavelmente à sua função de ofuscar os homens? E não se fere se as vê? Não vomita? Não desvia? Não tenta?

Então me ensina.

Como olhar sem ver apenas os traços borrados e as costuras mal feitas? Como acreditar no equilíbrio que se alarda? Como acreditar que essas dores doem de fato e que esses olhos fechados sorriem?
Como não estar tão só? E deixar de ver buracos atrás de olhos? E monstros atrás de abraços? E parar a náusea com a saliva onde se banham suas palavras? Como não ver o quanto estamos sujos? Como não ? E que não existe pureza entre os homens ou onde tocaram? Como ignorar que cada fato é uma unidade ilusória a encobrir retalhos? Como não perceber que cada uma das milhares de pangeias ostentadas com brilhos, luzes e notas são arquipélagos que definham sem construtores de pontes, com pontes ausentes que se disfarça retraindo lábios naquilo que aprendemos a chamar de sorriso? Como não ver que, a despeito de tanto ensaio, tudo é apenas uma mentira - suja, amarela, e cheia de cáries?


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Olhando pela janela, você não acha que o mundo é muito feio para ser tão bonito?