lundi 31 décembre 2012

Sobre a passagem*

Step behind and look around.
See every ruin you left after you.
Enjoy all your broken bleedy dreams.
And move on.

É, a vida continua, mas às vezes desejamos que não, às vezes desejamos não tê-lo aprendido. Certos ensinamentos custam meio caro... Até porque... bem, para reaprender a beleza das flores, você precisa tê-la "desaprendido", mas isso é só um exemplo bonito, como todos os outros, e nem sempre é tão bonito assim. Às vezes... às vezes apenas desejamos não ter conhecido flores, porque o que os olhos não vêem... você sabe.
Seria muito mais fácil se passássemos como uma peneira, retendo nada. Apenas não seria tão belo. Então, o que vale mais? Vale mais não saber, por mais argumentos contra isso, poéticos ou realistas ou matemáticos. Ainda que algumas belezas valham a dor, no final das contas, é sempre melhor não saber, você chega ao final com mais sangue e, como não sabia, não se arrependerá.
Mas, querendo ou não, aprendemos, chegamos ao final sem nem ao menos suor, completamente esgotados.
Como última contradição, sim, eu preferiria acreditar no infinito. Não no "infinito enquanto dure", no infinito infinito. Eu queria reaprender a ter esperanças, eu queria reaprender a acreditar assim também, a pensar que algo disso tudo foi bom. Eu queria esperar que as coisas que imagino enquanto caminho realmente pudessem acontecer - ainda que fossem incongruentes como cair neve nas serras de Minas. E queria reaprender a sonhar os sonhos dos outros. As coisas se tornam um tanto insípidas quando você pára de esperar, quando você passa sem que nada o atinja, pedras ou botões de rosa.
De qualquer maneira, eu não acredito. E, quanto aos sonhos dos outros, eu só consigo imaginar que acabarão também e me pergunto o que os despedaçará dessa vez: uma parede, um abismo, uma fogueira.

Acho que muito disso não será verdade, e que há motivos muito mais bonitos e atraentes do que os meus. E é por isso que eu gostaria de ter esperanças. Mas eu não tenho. Eu nem vivo, eu só passo.
Então passemos. E passe, Novo Ano. Seja melhor do que os que o precederam. Ou seja o que você quiser, apenas passe, deixe-nos mais perto do fim, para que possamos, enfim, adormecer na única eternidade em que talvez possamos crer. Afinal, como diz o escritor, "somos pó, Estela, pó não sonha. Pó, ponto".
E nada além de pó sempre seremos.


*Um texto que nem era para ter saído.

- E que seja repleto de Magia.

vendredi 21 décembre 2012

"No one cares, no one cares..."


Com a dor do cansaço, pensou. O réptil pensou na própria ingenuidade, pensou na vantagem do mamífero e em quão longa era a distância. Seus olhos se encheram de lágrimas e riram. Mas ele engoliu e correu.
Quando venceu, todos já sabiam.

Sentindo o fogo arder, pensou. O garoto pensou no que aconteceria à irmã, pensou na força da velha e no quanto eram pequenos com suas migalhas abandonadas. Seus olhos se encheram de lágrimas e riram. Mas ele engoliu e a empurrou para o forno.
Quando retornaram, todos já sabiam.

Sob os olhares frios, pensou. A empregada pensou no provável fracasso, pensou no castigo e em todo o desprezo. Seus olhos se encheram de lágrimas e riram. Mas ela engoliu e calçou.
Quando o sapatinho serviu, todos já sabiam.

Pressionando a chave gelada, pensou. A esposa pensou nas proibições expressas, pensou que não era a primeira e em todos os outros destinos desconhecidos. Seus olhos se encheram de lágrimas e riram.
Quando o azul se tingiu de escarlate, todos já sabiam.

Inspirando o cheiro molhado, pensou. A jovem princesa pensou que poderia não haver transformação alguma, pensou na repugnante massa verde à sua frente e em todos os protozoários nessa água. Seus olhos se encheram de lágrimas e riram. Mas ela engoliu e beijou o anfíbio gelado.
Quando ele virou príncipe, todos já sabiam.

Com o sangue secando na pele, pensou. O príncipe pensou em toda a mata espinhosa a cercá-lo, pensou na feiticeira e que o sono poderia não acabar. Seus olhos se encheram de lágrimas e riram. Mas ele engoliu e avançou pelos corredores.
Quando ela acordou, todos já sabiam.

Vendo o tempo acabar, pensou. A rainha pensou no desgosto do rei, pensou na culpa pelo próprio filho e em todas as tentativas falhas. Seus olhos se encheram de lágrimas e riram.
Quando o nome foi dito, todos já sabiam.


Sem nenhum rastro de esperança, pensou. Pensaram. Reis e aventureiros e princesas e camponeses – todos pensaram em como eram fracos, pensaram em todas as cicatrizes que carregavam em si e que deixaram por onde passaram, pensaram no tempo ruim, pensaram na imensa armada inimiga. Pensaram na terra de ameaças à frente, nas espadas os apontando e na vida - ou morte - dos que ficariam. E à medida que seus olhos marejaram, o mundo debochava de cada um deles.
Eles poderiam ter engolido e anunciado que partiriam, e mesmo assim ninguém cantaria o quanto foram sábios ou como fizeram a escolha mais sensata. 
Mas eles decidiram engolir e seguir adiante - o que nenhum desses cantores teria feito em seu lugar. Triunfaram e, para cada vez, é claro, o mundo inteiro já sabia que o fariam.
Ninguém, nunca ninguém perguntou se eles sentiram medo.

vendredi 14 décembre 2012

"A Gente é Feito Pr'Acabar"

Flávia, sabia que o seu texto de Dezembro foi postado dia 14/12 no ano passado? Um ano exato.
Coincidência estranha.

"Algum dia todos estaremos mortos; mas ser, para nós, valeu a pena; é como se houvéssemos marcado o tempo e o espaço com nossos olhos; como se escoássemos sempre dentro de uma noite vazia; assim, percorremos os vahos caminhos que ainda nos restam, e eles são muito poucos. Cada vez que o dia nasce e nos fita, implacável, eles rareiam ainda mais. Contudo, são os nossos caminhos: o meu e o seu; nossas alamedas do sonho. E quando morrermos não terá sido vão, porque fomos um dia; e ser mancha, ser decompõe, modifica, ser marca a terra [...]" 
(Áiland, A CASA DO ETERNO, p.103-3)


Não direi que não fui marcada. Eu fui, e fundo. Não direi que nada levarei, porque eu me lembro de cada detalhe. Mas eu não diminuiria a distância se pudesse. Não existem responsáveis. É.
O que quero dizer é que também aprendi, também abri janelas a outras verdades, e ao reconhecimento de que o meu certo e o meu errado não serão os únicos; e que, se a felicidade do outro é uma mentira pra mim, eu sou a única atingida. Aprendi que a verdade não é maior do que nada e que antes vivêssemos no escuro. Que sair da caverna apenas fere os olhos, enquanto, lá dentro, a vida começaria e terminaria sem que nem mesmo desconfiássem. O que perdem com isso? Nada.
Só que essas amarras de repente me incomodaram. As suas amarras. Essas palavras que parecem virar compromissos. Esses sentimentos que de repente se tornam fardos. Olhem só para vocês! Não é assim que tem que ser.
Isso é o que eu gostaria de não guardar:


LIVE AND LET DIE

A eternidade é pesada demais, não importa quantos a suportem com você. Na verdade, em se falando do eterno, quanto mais pessoas, pior. Por que é tão difícil aceitar que tudo acaba? Mais: é o fim que dá sentido às coisas - mas vocês não percebem. Hoje eu vim falar como uma velha, alguém pretensamente diferente, que está sempre a um pé de distância. Porque, no fundo, foi o que eu sempre quis dizer.
A medida em que badalam, os pêndulos esmagam coisas contra as paredes. Inclusive pessoas. Pense nas velhas músicas, em filmes e imagens, em como se tornam dolorosos depois de um tempo. Pense em como chega a repudiá-los. Sabe o que é? Tudo muda, cada detalhe muda, deixando aquilo que um dia agradou. E, se insistir, você apenas se culpará todos os dias por as coisas não serem mais as mesmas. - Como se você tivesse o poder de deter o tempo! Nós sempre acreditamos que "comigo vai ser diferente". Aprenda: não vai. Você também vai passar. E ficar só tornará em ruínas os antigos templos.
É por isso que cada adeus deve ser dado na hora certa. Se demorar demais, apodrece. Talvez seja um exagero, mas não acredito nisso. Estive aqui desde o princípio, muito antes da maioria, e nada mais é o mesmo. As pessoas, os modelos, os sistemas, até as construções físicas passaram - as escadas e portões foram migrando de semestre em semestre. Os espaços que tomei por meus simplesmente me fugiram e, se antes eu reconhecia até os sons do vento, hoje já não identifico nem ao menos um rosto, quanto mais as vozes deste lugar. Nada mais me é familiar. Deslocada, nunca mais me senti em casa como em outros tempos.
Tudo o que sou se deve ao que aqui, um dia, existiu, tudo aqui faz parte de mim. No entanto, eu já não sou parte dele. Eu fiquei distante demais - ele pode seguir sem mim. E sem qualquer um de vocês.
É por reconhecê-lo que eu ouso me dar o direito de conselhos frios. O melhor que as coisas podem fazer é acabar. Seria como guardar uma foto velha e no fim ter apenas pó e pedaços carcomidos nas mãos. Deixe-a ir: antes perdê-la sabendo que em algum lugar ela estará - inteira. Que seja na memória. Seria o extremo do insuportável se ver mudar, divergir e perceber que só as mesmas velhas piadas são contadas, enquanto você tenta acreditar que ainda pode rir delas. Mas, se só pode sobreviver com as tais velhas piadas, é porque a felicidade ficou no velho, e vocês não se conhecem mais.

Talvez seja arrogância, ou seja frieza mesmo, ou nem imagino qual o adjetivo dessa vez. Apenas é nisso que acredito, é isso o que esperava que soubessem.
"Corações frios não podem inflamar outros para que lhes dêem calor em suas indas e vindas." Mais uma das coisas que aprendi com Tolkien. A essa altura, não cabe a mim tentar comover qualquer um, jamais tive esse direito, tampouco o tenho agora. É que quando presto atenção e vejo todos satisfeitos nessa ilusão, eu apenas os deixo - como se eu guardasse um segredo decidindo, no fundo, ser melhor assim. Arrogância, pretensão? Sim.
De qualquer forma, agora vocês sabem. Vocês deram e receberam o "adeus final" - então, agora, espero que acreditem. É realmente melhor assim. Não ignoro a dor, só que temos que sangrar para poder curar. E logo não vão mais notar. Vão dizer que não, mas sabem que sim. Não tornem as coisas mais difíceis para vocês mesmos.
O mundo deve seguir adiante. E nós também.

"I'm not sure that I'm right,
But I hope you understand."

vendredi 30 novembre 2012

Ten Times Too Late

- The world could be all Black and White, and still it would  shine more than all the colors together under every purple starry night sky. -

(errata: "se parece com")
(dez.2011)

From now on                                                           
        no more butterflies                                 
birds                                                     
singing                                                   
wind-blowing-taking-pages.                  

De hoje em diante, nunca mais. Nem um minuto.

Fossem cem: jamais virão. Qualquer deles. Eu tive uma hora, eu tive muito mais. E ainda assim, tive nenhum. Os minutos apenas contornaram e passaram.
30.
15.
Previsível. Levados todos, e então os últimos. 12. Para utopias e olhos fechados. Tanto faz, que hoje eu vim dizer adeus. Apenas. À cada palavra guardada, cada movimento, cada batimento. Ao que, por pouco, não descongelou. Se me importo? Não me importo. São tudo tentativas. Viver é tentativa, entenda.

Deixado, de vez, o sorrir do silêncio. O esperar. O amanhã.
Minutos. Tão poucos. Tão pouco.
O sol puxado em carruagem veloz percorre o céu. Sempre mais rápido e a cada segundo mais implacável. Sem retrocessos. Sem adiamentos. Sem esperas. Só que eu espero. Eu esperanço. Ainda. Mentira! Não espero. "Jamé". Esperar é para os que não sabem, é por isso que você espera. Mas, hoje, eu vim dizer adeus. - À esperança. Às flores não colhidas, murchas de dor. A esses instantes. De agonia. Vãos.
15.
Um piscar dos olhos retidos fechados.
Menos. Menos.
Bem menos.

Lá vem a badalada. A meia noite de todas as borralheiras, o último truque de mágica enquanto ainda se pode dançar. Não vê os ratos na porta, pisando sobre lagartixas?
O vento uiva. E eu estremeço.
Poucos.
Receio.
3
Desisto.
2.
Ouço.
1.
.. desejo: não.

Um chamado!

Mas era só o vento uivando.
        era só o vento...
                             ... uivando.                                  (07/DEZ/2011)
Happy November (29 - 10) for those who know!

******

As palavras,
saídas do baú,
gritam.

As memórias,
fugidas do porão,
zombam.

E então dançam,
então riem,
 e de mãos dadas se entrelaçam.

Vão, enfim,
de novo,
 e adormecem.

So many knots.
Lost and forgotten.
Undmaden? Who can say?

vendredi 23 novembre 2012

Niilismo

 (Coisas Frágeis, Neil Gaiman)



Viver não é importante.
É que nada vale tanta pena...


vendredi 16 novembre 2012

Dead To The World


Na penumbra, pousou levemente as mãos sobre os ombros magros e tirou com cuidado os fios de cabelo da sua boca. Na pouca luz, viu manchas escuras e úmidas sobre o travesseiro, e desconfiou de vermelhidões naquela face tão serena. Ouvindo sua respiração forte, o seu próprio peito pesou.
- Você nunca me conheceu. - A voz abafada do passado retornou.
- Talvez não a conheça, querida... - Sussurrou mais para dentro do que para ela. - Mas será que algum dia eu a verei feliz? ... apesar de tudo...
Sentiu seus dedos começarem a apertar os ombros e culpou-se por não ter sido o bastante.
Afastou-se com cuidado e fechou a escuridão no quarto. Pela última vez.

Aproximou-se com cuidado. Abriu a porta e deixou a escuridão sair. Já estava tarde.
Com o cômodo subitamente invadido pela luz, seus olhos cegaram. Caiu de joelhos no chão. Das entranhas arrancou um lamento, sua origem mais profunda do que a criatura da sua própria carne. Perdido e distante. Arrastou-se até a janela sem poder comandar a si mesma, ao menos para chorar, e deixou o rascunho borrado ser carregado de suas mãos inertes.
Esvaziou-se de toda a emoção.

O peso daquele pouco não foi muito para permitir que voasse pelos ares. Tão denso e tão frágil. Tão completo e tão vago. Ele correu por sobre todos os pequenos mundos pretensamente vivos, absorvendo-os, reconhecendo-os, não mais notado do que seria um inseto, para pousar sem ruído sobre um fio de relva.
Antes de ser novamente empurrado, os olhos. As mãos em concha e o silêncio. Tocaia. Quando o captura, todo o seu ímpeto desaparece em dúvida.

"Feliz? Seja sincera, você realmente acredita na existência da felicidade?
...
Não crie culpas, realmente não cheguei a esperar que compreendesse. E não procure pelos restos, não merece isso.
E não se lembre. Nunca se lembre. Lembranças não fazem bem.

PS: Uma última piada, não são? Todas essas negativas... Acho que foi esse o problema. Eu nasci negação."

Franzindo as sobrancelhas, virou o rosto para cima, como esperando mais de onde aquele pedacinho viera. E de onde viera? Não poderia ser de muito longe. É irônico que carregasse tanta história. Que carregasse o vento tantos papeis. Que carregassem papeis palavras. Que carregassem palavras vidas. E carregavam vidas mortes, pelos ares, com a maior facilidade... "Uma última piada, não?"

Deu de ombros e jogou-o de volta no chão. Pouco importava, na verdade.
No mais, talvez fosse ela só um sopro.

jeudi 15 novembre 2012

Mirror


Mirou profundamente aqueles olhos castanho-escuro-avermelhados. As sobrancelhas erguidas em escárnio. Um intenso desprezo. Então disse, em alto e bom som, a voz cortante caindo como uma saraivada de agulhas:
- Traidora.
Seus lábios aliviaram a pressão e ela apertou os olhos para assistir completamente à chegada das palavras até a outra. Granizo e tempestade. Fria.
Sentia-se aliviada a medida que as pedrinhas se chocavam conta aquela face dura. Percebia que era atingida e isso era o céu. Sem piscar, comprazeu-se dos cacos que lhe obstruíam o sangue e do gelo queimando suas costas.
Então ouviu. Um trincar agudo. Um estilhaçar. Vitória.
Saiu dali sentindo os cacos de diamante a escorrerem-lhe pelos pés.




02/Abril/2012

dimanche 28 octobre 2012

Inverossímil

Para nunca mais fechar os olhos.


Nota: em caso de dúvida, título.

Prólogo
Com os cotovelos presos às costas, foi arrastada por um chão gelado; puxada para trás brutamente de forma que os pés nus fossem desenhando rastros no piso. Completamente imobilizada, mergulha na inconsciência.

Pt I
     Tudo havia começado com o sangue. As tesouras jogadas na poça escarlate, a cor vibrante como se acesa naquele fundo escuro. Riscos em todas as direções do cômodo abafado e sem luz. Fitava suas mãos muito brancas e magras manchadas no líquido quente.
      Ela já morrera uma vez. As lâminas cortaram seu pescoço pelos dois lados quase verticalmente. Quando abriu os braços, sentiu o sangue explodir e a cabeça voar, eram três fatias de si mesma. Foi então que a condenaram, e ela nunca soube com clareza o porquê.
    Eles a trouxeram de volta e não se sabe como. O que se sabe é que um dia acordou e, simplesmente, estava inteira. Lágrimas de ódio e desespero mesclaram-se em sua face ao ver-se novamente envolta em vida.. As pontas do cabelos negros recolocadas abaixo dos ombros, uma a uma, como peças desmontáveis, as rendas remendadas em seu manto e os lábios coloridos como se nunca o sangue tivesse saído dali.
     Nos olhos de sua suposta salvadora, a tristeza da submissão. Ela fora reconstruída como um quebra-cabeça pelas mãos leves da outra, e era essa outra a que mais se compadecia, investigando seu sofrimento e defendendo seu pecado sob o olhar zombeteiro do General. Com ombros largos e gestos caricatos, ele debochava dos restos como de uma criança cujas travessuras resultaram em um mal merecido. A esses gestos a subordinada atirava todo o seu nojo e, muitas vezes, sem se conter, mandava-o calar, tomando de sua mão as mechas de cabelo com que coisificava a mulher. Pouco se importava que as lançasse sobre a mesa de cirurgia furioso pelo atrevimento: ela era a melhor e ele não a dispensaria. Era obrigado a engolir sua rebeldia.

Pt II
       Imóvel e cercada por monstros, a ex-cadáver nunca trocara um mísero gesto com aquela que a tratava, toda a sua dor não negava espaço para a gratidão por aquela mulher tão acorrentada quanto ela. A última vez que a vira, deixava o quarto seco, gelado e branco, de traços retos, com as mãos ocupadas por uma bandeja carregada de instrumentos metálicos. Virara-se para dentro, empurrando a porta com os ombros. O cabelo preto em rabo liso e longo sobre o jaleco comprido e impecável. A última visão a lhe despertar qualquer sombra de afeto. Nunca mais se cruzaram.

Pt III
     Era a hora do triunfo. Procurada, caçada, debatida por tanto tempo, e o General era quem a havia capturado. Ele a entregaria ao mundo. A tão esperada presa. Fariam-na caminhar por um longo corredor, sob o olhar dos mais importantes do mundo, sob a cúpula azulada e metálica do Conselho. E ele estaria à frente. Enfim, teria todas as glórias, calaria os mais altos, nunca mais se curvaria humilhado aos seus superiores incompetentes, que a partir de então se poriam de joelhos. Porque ele, o General, emboscara tal aberração, aquela que abalara o mundo e colocara em risco os limites tão necessariamente impostos. Ela era saudável, bela e forte. E ele a derrotara em sua plenitude. Ele era deus.

Pt IV
      Desde que a cirirgiã partira, desconheceu qualquer gesto humano. Guardas postos em todos os cantos. Pratos e roupas limpas postos à porta todos os dias por mãos invisíveis. Não que isso fosse enquadrado em humano. Tratada em excesso era um animal para o abate, e via aproximar-se o dia em que seria exposta ao público como um bicho exótico, um erro da natureza.
     Como último movimento de força, impôs sua solidão. O direito de cuidar-se só quando o último dia chegasse. Jã não era grande para isso? Não era o mínimo que lhe poderiam conceder? Cederam. Uma esmola à uma condenada.
      Na penumbra, encontrou-as.
      Quem vai rir por último?
      Ela riria por último.

Pt V
     Na hora devida, ela sai. Não manifesta sua dor com a pupila violentamente contraída, rejeitando a luz, nem chega a mover as sobrancelhas. Vestia uma camisa branca, lisa e limpa, comprida até o meio das coxas e cuidadosamente abotoada. Vê as cores do seu cabelo. Claro como palha, desbotado como água suja, perdera a vida. Arrumara-o como pôde. Trazia as pernas nuas e os pés descalços. O equilíbrio entre a limpeza e a selvageria, como tinham planejado. Caminhava firmemente, de rosto erguido e braços retos ao longo do corpo. Cruzou dos portões largos do galpão para o pátio e entrou no amplo círculo de guardas.
     Logo em frente, o General. Carrasco. Os olhos brilhando de satisfação. A boca mau contendo os dentes pequenos. Foi até ele com porte de imperador e parou a apenas alguns metros. Com um esgar cuspiu aos seus pés.
    - AHAHÁ! - Por um instante aqueles olhos haviam faiscado, no entanto, não deu tempo ao seu ego para se rebaixar. - O animalzinho está bravo.
   Lentamente ela enfiou uma mão por dentro da blusa. Respirou fundo, sem piscar. Ouviu os clics das armas sendo preparadas e apontadas. Sentiu a tensão.
     - Você não vai me ganhar. - Sua voz não tremeu.
     - O animalzinho também fala. Ora, ora! - Levantou a mão direita sem tirar dela os olhos. - Deixem.
     Ela mordeu os lábios para não gritar. Apertou o punho e deu um puxão com toda a sua força. Sentiu lágrimas encharcarem seu rosto, manteve-se de pé e esticou as mãos.
     Uma oferenda.
     Segurava um bolo quente, pulsante. Caiu de joelhos, os braços ainda esticados, acima da cabeça agora baixa.
      - aa... AAAH!

Pt VI
      O castelo fora quebrado. Ele não iria ganhar. Ele não teria nada a exibir. Como aquela figura em posição tão estúpida conseguia instigar tanta ira? Como podia arruiná-lo? Os pára-médicos acorreram. Ao deitarem-na, tremeram. Ela sorria.
      Um sorriso... apavorante.
    Desabotoaram a camisa e, chocados, viram os rastros rosados onde a pele fora marcada. A carne espalhava-se como dedos largos ao redor da fenda que ia do centro da clavícula até a altura do estômago. Precisamente aberta, um corte limpo, direto. Os vasos soltos saindo por ali arrebentados e as abas moles de pele pendendo sobre o abismo de um peito vazio.
       O símbolo de sua vitória.

samedi 20 octobre 2012

A última neve


Não jogues água fora no chuveiro, menina. 
Guarda pra quando trouxeres a cara seca.

Engole o sal, engole o mar, 
que não vale a pena chover.

A chuva já não te pode lavar.

vendredi 12 octobre 2012

As a Child

  
Com perdão às vírgulas e acentos fora do lugar.


     Meus amigos, gostaria de ser uma estrela. Por muitos motivos. O principal deles é porque as estrelas, embora sempre observadas, elogiadas, etc., são sempre, apenas, mais uma no céu, entre tantas outras. Além de serem seres de luz própria, não dependem de ninguém e vagam pelo espaço sem rumo observando os planetas, agradecendo por não acontecer com elas o que aconteceria se compartilhasse do mau que eles têm, ou talvez desejando viver no meio das maravilhas que também proporcionam alguns outros.
      Acho que talvez vocês se perguntem: "Por que?" já que tenho amigos, uma família, conheço muitas coisas interessantes. Mas já imaginaram se pudessem "voar" por aí, vendo coisas maravilhosas e se pudéssemos conhecer o universo todo? Sinto pena de vocês, por serem pessoas que não imaginam um mundo melhor, uma vida melhor, seria tão bom se todos quisessem mudar a vida, e sonhassem mais. Uma vez li uma frase que nunca esqueci: "sonhe e acredite nos seus sonhos, sem eles o que a vida seria?" E acho que são os sonhos que dão sentido a vida.
      Mas, voltando ao assunto, gostaria de ser uma estrela por quê esses seres me encantam, eu as acho muito bonitas, são também... inspiradores, como amo a noite, eu acho que estrela é o ser ideal que eu escolheria para ser. Acho que já dá para terminar"!

Fim.

Maria Eugênia A. Gonçalves
5ª Série

(Prova de Produção de Textos, 2006)

dimanche 30 septembre 2012

Iconoclasta

Vá em frente. Então? Explique o que é isso que só eu não vejo. Onde está esse você que só eu não percebo? Vamos, mostrem-me! Olhe nos meus olh.. ora! não se faça de indiferente! Dispa logo essa apatia, que eu não suporto. Eu só quero saber, quem é você de verdade?
Difícil? É difícil responder? Pois eu juro, eu juro que me esforço, mas não vejo nada - absolutamente NADA nesses dentes à mostra e nessa voz calma. Francamente...! Eu duvido, eu aposto com todos esses que existe toda essa importância. Você é igual, é óbvio e... NÃO! Pare de me olhar assim, encare-me de frente, por que é que só eles te conhecem? Não seja covarde. Não demonstre fraqueza. RESPONDA! MOSTRE-SE! Quem é você de verdade?
Ah, eu não acredito, não acredito em uma mínima vírgula. São todos cegos. Eu sinto o que é, é uma farsa.
Vamos.. Diga algo. Defenda-se! Não vai me apresentar a sua perfeição? Quem é você de verdade?

Q-u-e-m-é-v-o-c-ê-d-e-v-e-r-d-a-d-e?

samedi 22 septembre 2012

Outono

Símbolo
de perfeição
impossível
na terra
Alheia
à podridão
que o solo
encerra

Jamais curvada
Jamais vencida

Jamais tocada
Jamais flor...

Invicta
Inviolada

Morreu semente.


dimanche 2 septembre 2012

O Absurdo

           É que então vem  o cansaço. Um tédio de morte em um ar abafado.
         É que então um peso enorme me acomete, como se sustentasse o mundo inteiro. Como se todas as eras tivessem passado por sobre mim. Como se todos os sorrisos sorridos fossem fendas de minha própria boca. Como se todas as lágrimas derramadas fossem o meu próprio pesar - arrancado e liquefeito. Como se tivesse eu morrido todas as mortes. Como se tivesse eu vivido todos os longos anos que seguem cada nascer. É que de repente o mundo me puxa para baixo - uma gravidade insana a levar cada instante. E é como se todas as experiências tivessem me ocorrido sobre o corpo fraco - desgastando-me a mente. E fui eu a lutar cada guerra, a sustentar cada coroa, a ser dilacerada por toda espada e atravessada por cada flecha.
           E foi sobre mim que caiu a neve. E foi de mim que rolou cada gota de chuva, que suou todo o orvalho na aurora. Foi dos restos de minha ruína que caíram as pedras. Meus ossos ergueram montanhas e meu suspiro as derrubou. E cada gota do meu sangue se esvaiu em dilúvios pelo universo. E cada estrela partiu de mim.
         E então me vejo: débil. Nesse constantemente nascer, me perder, e partir. E o mundo se me pesa. Como se eu o sustentasse. Inteiro.
           É que eu nasci todas as vidas.
           É que, a cada dia, eu morri todas as mortes.

           É que então eu sou um fragmento da Ilha. É que eu me sinto o Continente inteiro. Fragmentado.

           E eu me sinto tão fraca. Tão... velha.

           E os sinos... Os sinos estão tocando.

dimanche 19 août 2012

Fome


Pt I -Ânsia

Ele está dando murro em ponta de faca. Ele está berrando para as paredes. Está estourando a garganta e vendo os rasgos profundos em sua carne. E ainda assim não dá para apenas virar as costas e ir embora.
Por fim, ele está se jogando contra esses muros, todos cobertos de chapisco. Ele está quebrando os dentes nesses imensos cadeados. Está perdendo as unhas escavando concreto. Está se arruinando, sabe disso. E ainda assim, não dá para ver?

Debaixo da janela existe um zumbi, um saco de ossos envoltos em papel quebradiço, encardido em sangue seco, existe o gosto salgado, sombra distante do choro que conheceu um dia, existe o desespero e o completo automatismo. Insistindo por razões que desconhece, permanece em movimentos programados.
Ele é um caçador. Ele é uma máquina. Seu trabalho é devorar.


Pt II - Transição

Um dia, deram-lhe corda, e ali ficou, fazendo ele mesmo não sabia o quê.
Uma mão invisível recolocou-o em movimento, e ele se perguntando o que haveria por vir. Eu sabia – no início. Havia nele um impulso por algo sem nome, era a música que não podia calar, eram as partículas que ainda restavam. A última gota, o último fio inteiro da trança. Calou. Sumiu. Rompeu. E agora? Agora é gritar sem cordas vocais, esmurrar com as mãos quebradas, esfolar o pé chutando o cimento. É tentar alcançar e tomar com suas garras pútridas novamente. Em toda sua existência tranqüila nada havia feito passar por sua cabeça que esse tipo de ímpeto existisse e que essas aberrações fossem mais do que ficção. Ele nunca achou que chegaria a esse ponto, correndo atrás de órgãos quentes e pulsantes, comprazendo-se ao sentir partirem-se as lascas de unhas e o couro ressequido entre seus dentes tortos, lambuzando os dedos no sangue fresco, estremecendo à simples idéia de tê-los ao alcance.
Ah, mas isso foi antes. Foi antes e ele agora é morto. Foi antes e ele agora é vivo. E como tal, anseia por alimento. Ah, ele vai insistir até o final, até encontrar o coração suculento atrás dessa porta. E ele vai encontrar, ele vai.


Pt III - Loucura

Ela está trancada. Ele não ouve o pulsar. Ele não sente o cheiro. No entanto, está ali. Ele sente o choque que percorre seu corpo ossudo, o tremor no contato com a parede. Ofegante. Suando. Há gotas de sangue no cadeado. Tem de haver vida!
Ele recomeça – renovado. Vai dando murros em ponta de faca, vai berrando p’ras paredes. Ele pode morrer centenas de vezes nessa busca. Ainda assim, não dá para se trancafiar para sempre.
Uma hora, vão ter de abrir.

mardi 7 août 2012

Repugnō




Bobagens. Dramas. Pirraças.
"Ver um hipócrita sangrar", é bem isso mesmo.
Orgulho. Fachada. O reflexo estúpido que tenta enxergar.
Sem pensar, cede. O retorno aos impulsos mais puros, às atitudes mais transparentes. O instinto básico da vingança aflorando pela armadura - aquela perfeita e intransponível. Not anymore.
Passados o desespero e a raiva - que, obviamente, seria mais bonito fazer que não sente - a recomposição.
Indiferença e sobriedade. Sério, mesmo? Por favor! - É claro que não!
Não se esforce, é vão. Não tente apagar esse passado, tão presente, e não tão nobre.
Encenação. Você acredita que, depois de tudo, vão acreditar? Como finge. Como fingem. Descaradamente.

vendredi 20 juillet 2012

O Hino Final

E o mundo segue adiante.
E enquanto ele segue, desmorona.
E enquanto a ele eu sigo...
Eu canto.


       Todos esses que ficaram no caminho, todos esses deixados para ir embora. Todos os que nunca souberam e também os que entenderam perfeitamente. Os que, por um motivo ou outro, simplesmente misturaram-se ao horizonte como névoa. Distância. Tempo. Incompreensão.
          Os nomes.
        Nomes daqueles que fugiram, escorrendo pelos vãos. Dos que houve fraqueza demais para agarrar, orgulho demais para insistir. Dos que as mãos hesitantes não seguraram. Dos que a voz pouco confiante não chamou, nem em sussurros roucos, e para quem não se deixou nem mesmo um último olhar. Os nomes. Dos que foram perdidos e dos que perderam. Dos que se deixou passar. Dos que não desconfiaram ser mais do que aquele nada graças à resistência, uma recusa, uma persistência tola contra a ideia dolorosa de abrir mão da estrada. Curvou-se.

        Curvei-me.

      Ao alcançá-la, sei que serão os seus rostos em meus olhos, serão os seus nomes ecoando em meus ouvidos. Porque eu nunca me esqueço - e cada um devia saber. Eu guardei cada cor para me lembrar do tamanho da ferida. Eu guardei cada letra para colocar em meu lamento.
       E então, quando eu alcançá-la, eu acenarei, lá de cima, e vocês me verão. Ao menos, eu os verei. E eu farei o que me consumo fazendo todos os dias sem que tenham consciência. Eu vou cantar. Não vou retornar, não vão perdoar. Ainda assim, bem no alto, do topo da minha Torre, eu vou cantar. Eu gostaria de qualquer entendimento, mas não haverá meios para explicar. Portanto, eu vou apenas cantar. Lá eu vou cantar todos os seus nomes. Todos eles. Cada um deles. Apenas. Eu vou cantar.

mercredi 4 juillet 2012

Tired


- Precipitação. Fúria cega. Estereótipos. Alteração.
Descontrole. Vozezinhas perfurantes. Frustração. Encenação. Pseudo-intelectualismo.

Sinceramente:
Isso não é opinião.
É repetição.



Poderia, por favor, me deixar em silêncio?

samedi 16 juin 2012

Mentíforas



Metáforas...

Eu costumava gostar. Costumo. Não passam de eufemismos. De medo. De covardia para tirar da frente esse véu que embaça a própria imagem, a imagem do outro, o universo. Essa falta de coragem - ou talvez de criatividade - para colocar as coisas exatamente como são. A verdade, nua e crua. Sim, é por isso que eu gosto... Covardia.
Quem chora não enxerga os diamantes molhando suas mãos. Quem grita não sente as correntes se partindo. Quem foge não está acompanhado pela solidão.
Só quem enxerga essas fantasias é quem esconde, é quem teme, é quem se esforça por negar a verdade que sabe não poder derrotar.

Escuridões, poesias, mentiras.
Grandes mentiras. Seres decrépitos maquiados por eufemismos.
Vê? Metáforas de novo.
Mentiras eufeminadas.
Mentíforas.

mardi 29 mai 2012

O Gráfico da Felicidade*

- (...) e então há esse gráfico da felicidade que criei - começou ele, desenhando os eixos coordenados e traçando uma linha paralela à Ox com y positivo - Essa é a tristeza. O estado natural do homem é esse, o homem nasce triste. A tristeza é uma constante, e o resto são variáveis. Se considerarmos agora... - e traça uma nova linha, dessa vez ondulada, ao longo do gráfico, cortando a primeira em vários pontos. - ... tem esse novo fator. Essa é a felicidade. Como todos nascem como uma "folha em branco", ou seja, tristes, essa linha começa no zero, e de acordo com acontecimentos externos, ela ir;a subir e descer. São precisos momentos bons para se estar feliz e fazer o gráfico subir. No entanto, a simples ausência deles o traz de volta ao estado de tristeza. Ou seja, você não precisa de momentos tristes para estar triste, mas, a partir do momento em que a linha da felicidade estiver abaixo da linha constante da tristeza, você sente a queda porque pôde estabelecer uma base de comparação com o pico em que estava. Sim, se você se entristece é porque o padrão muda e, em um pico, você cria uma expectativa que será frustrada no próximo vale, dando origem à sensação de que sua tristeza aumentou quando, apenas, ela reapareceu, tornando-se novamente visível na baixa da alegria. Acima da constante: feliz. Abaixo: triste. - ...

- É... mas... e essa parte aí no meio, onde elas se cruzam?

- Ah, então, esse ponto de encontro é neutro, você fica indiferente a tudo. Só isso.

- ... errado! Esse ponto é onde tudo se cancela, onde não restou nada - nem indiferença. As coisas continuam acontecendo sem atingir um ápice ou deixar o gráfico cair. Esse ponto é onde ninguém suporta, é onde se enlouquece. É a ausência, o vazio completo. É aí onde você perde toda a capacidade de sentir, tem a impressão de que seu coração parou e já não te acompanha o corpo ou a alma - de repente parou e só, como se fosse simples assim, ou se dissolveu entre seus músculos e as costelas. Desapareceu. Esse não é o ponto em que você simplesmente não liga para nada; aqui, você está oco, evacuado, esgotado. E se você iria dizer "algo como um buraco negro no peito", nem precisa abrir a boca. Buracos negros têm matéria, mas, nesse ponto, você não tem nada.

Oh, sim, é claro. Isso foi o que ela calou.
Na realidade, ela abaixou a cabeça e voltou a ler.




*A idéia do gráfico é, na realidade, roubada de um professor de matemática.

dimanche 13 mai 2012

Pride


E traz atitudes medíocres de forma inacreditavelmente eficiente.
O homem sem máscara, a cara despida em sangue e carniça. A podridão exposta.
Será que não têm vergonha do enojamento e da náusea que causam os vermes que derramam aos baldes pelas bocas?

Quem sabe.
Mas o Orgulho é um bolo grande demais para passar por suas gargantas estreitadas pelo inflar da vaidade.

lundi 23 avril 2012

O Ritual


Não se trata de obrigatoriedade acadêmica. Não deveria. É, sim, uma questão de compreensão, de clareza, de criação... de magia. E o entende quem consegue ver para além de palavras difíceis e frases longas - quem acredita que cada letra tem vida, tem a paixão de quem escreve e a sede de quem a lê. Pois que cada palavra constrói uma história que bem poderia ser a sua, e o enche de um sonho daquilo que poderia ser. E eu acredito que estórias - mais do que histórias - modificam, provocam, transformam.
E não estou me referindo às suas morais.
Há cores de matizes inimaginadas acrescentadas a cada grão de poeira, e uma harmonia nos infinitos tons presentes nos pentagramas ocultos em versos. Há sabor no não dito, e uma textura única naquilo que só se experimenta através de palavras.

Todos os minutos serão a hora certa para quem sabe não poder abandonar a responsabilidade sobre aquelas vidas sem dar-lhes antes a dignidade de um final. Esse direito não lhe cabe. Pois que ler, como escrever, é ter o destino de muito nas mãos. Quem escreve traça o destino, mas é quem lê quem realmente decide por sua concretização, não havendo heresia maior do que deixar tantos caminhos inconclusos, como se um vendaval arrancasse as páginas, desfazendo as tramas e perdendo-as no ar; como um relógio cuja bateria acabou; como a respiração que cessa antes de um mergulho do qual não se tornará à superfície.
Perfura-se assim o ventre: o mundo segue adiante, enquanto para todos aqueles o tempo pára. Estagnado.
Abandonado.
Não morto, não vivo.
Abortado.
E pouco importam comédias fúteis ou amores televisivos. Importa O Livro, assim, maiúsculo, com sua essência crua e gelada, para ser derramada pelos olhos até talvez o fundo daquilo que a chamam alma. Existem ali a realidade e a poesia. A metáfora e a ironia. A rudeza e a maestria.
O contraste.
Existe uma suavidade oca a lançar laços, prendendo, hipnotizando, e terminando por enredar nessa teia do qual não se escapa. A utopia, o conto de fadas. Esse mundinho de euforia do qual os mais vazios se alimentam e com o qual se justificam, repleto de uma filosofia tola atrás da qual se escondem esses todos que não entendem o sentido e não vêem razão, precisando se agarrar a um conto de princesas que não acontecerá.
Então tudo se desmancha e enredada na teia uma nova realidade se descortina. E ali existem a violência e o grotesco enojando ao desfilar tão perto, asquerosa apontando o dedo - quando não a mão inteira -  para mostrar o que se é. A desconstrução, a tragédia. Esse mundo vil para o qual se fecham os olhos, onde o sangue é recolhido em baldes e o som de fuzis faz a trilha sonora, um lugar onde a farsa é o traje de gala e mascarar-se é ritual sagrado. Esse mundo onde vivemos todos, onde vive cada um. Uma dimensão real demais para não ser tocada e que se exibe para se tornar muitas vezes mais desprezível.
Não é mera diversão. É desafio. As páginas oferecem o ideal para que se derrube o real. Há que se ter força para receber na face o diagnóstico da inutilidade que se representa no universo, assim como para formular por si próprio o veredicto e enxergar uma sociedade condenada. Não se trata mais do romantismo superficial. Ler é um exercício de imaginação e de entendimento. Mas é também de descrença e de desilusão. Com tantas realidades caindo como flechas sobre as cabeças, o medíocre da que se habita grita não se deixando ignorar. E, desacreditando, se busca o outro, se forma o Novo Mundo. No mais íntimo ele é criado para ser habitado. Até que uma porta se abra e o traga à tona.
Mais do que desconstrução ou sonho. Descrença ou confiança. Desprezo ou tolerância. Ficções não são regra para se desvendar universos que são, que foram, que seriam. A menor oração edifica, na mente, o universo por que se anseia. Oras!, eles fornecem algo a ser agarrado, refúgio, proteção. A grandeza que não existe fora, a pureza e a verdade. Eis que então, esses pequenos amontoados de celulose sugerem algo distinto. Uma ilha única e particular, uma frágil esfera que tentam sufocar. Um universo que meras estórias proporcionaram conferindo realidade a essa grande ficção que vivemos. E sem livros, ah, sem eles não haverá sentido nesse muito de imagens que é a realidade, esse mundo morto fadado a uma existência estúpida.
 Quem sabe tudo isso seja uma bobagem não muito confiável saída de uma que se nutre dessas vidas, em cujas veias dispostas em versos correm rios letras que, muito provavelmente, rimam pareadas nos capilares. Talvez sejam apenas paixõezinhas tolas ou romantismos tão cheios de contradição que façam sentido nenhum a qualquer outro. O mais certo é ser cada palavra dessas um exagero a se esquecer e ignorar, portanto, perdão pelo palavrório inútil e terrivelmente tendencioso. Aliás, seria injusto pedir perdão, negando-me. Mas ler é contradizer-se, não? Encontrar respostas demais e coerência de menos entre elas. Ter inúmeras verdades. Não acho mesmo que a leitura é a única salvação ou algo assim, mas afinal, impossível seria dizer diferente, pois sou um pequeno nada apoiado em literatura, não posso fugir a quem sou. E que despreze quem não compreende, desconsidere toda essa torrente, esse mundo múltiplo que se anula ao se levantar, essa onda de razões desconexas e os argumentos tão suspeitos, dess(A) menina que lê.


"Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso."
(Fernando Pessoa) 


PS: Imagem, Book Of Books, Wladmir Kush

dimanche 1 avril 2012

As Ditas Puras


(...)
As ditaduras começam dentro de casa, da escola, dos grupos de amigos, das empresas. As rádios dizendo o que ouvir, os pais dizendo em que acreditar, os professores dizendo como agir, os chefes dizendo aonde se aliar. As relações pessoais tornaram-se pequenos contratos. Ligar-se a alguém deixa subentendido que você adequará alguma opinião, hábito ou preferência.
E que não digam que os pais só querem o melhor, os professores tentam ensinar “o mundo lá fora”, os amigos só aconselham, enfim. A verdade é que cada pessoa tenta se projetar no próximo, tenta conquistar no próximo o que não conquistou em si, tenta ser aceita ao fazer o outro acreditar. Não é pior do que a tevê, e olha que ela é vilã. As empresas e governos não abandonaram os hábitos das ditaduras de usar dos meios de comunicação para “propagandearem” a si mesmos e maquiarem suas feridas. Ao contrário, fazem-no com muito maior intensidade ao carregar a bandeira a livre expressão e da verdade, e dispensam das pessoas o trabalho de procurar melhor. Sim, porque a verdade está à solta, em algum lugar – eis a grande diferença entre os dias de hoje e os dias de repressão. Mas quando se vê tanta informação junta em um discurso tão bonito sabendo que “nesse mundo a comunicação é livre”, quem é que vai duvidar?
Nascem preconceitos mesquinhos, não os de cor ou classe. As pessoas são classificadas e usam de estereótipos para parecerem melhores: é o preconceito em relação ao conhecimento, às preferências, às crenças, à vestimenta ou ao modo de falar. Uma fala inteligente e qualquer aspecto pessoal pode ser rebaixado como ignorante ou fútil – palavras cada vez mais usadas para se sobrepor e definir o que é realmente original e de qualidade.
Entendem o ponto? Vive-se o falso liberalismo. As pessoas são discriminadas por suas escolhas. As correntes que calam não são físicas, basta usar um tom debochado e qualquer um perde a credibilidade, violentado naquilo que acredita. E as crianças já nascem nesse meio, sendo doutrinadas e ensinadas para o certo. Doutrinadas para o que falar, o que fazer, o que vestir. Doutrinadas para serem o que seus adultos são. Como chamá-las ditaduras do bem? Doutrinas. Censuras. Propaganda. Violência. Não... A diferença não é tão grande assim.

"None are more hopelessly enslaved than those who falsely believe that they are free..."

samedi 10 mars 2012

Prémiere tentative en français


C'était dans la plage.
J'étais une petite fille de seulement quatre ou cinq ans. J'avais peur de la mer à cause de les requins, et je faisais des efforts pour me mantenir en jouant sur la sable avec mes pieds très loin de l'eau.
À cette époque, nous avions d'habitude de voyager tous les ans, et cette était ma première fois dans la plage. Mon frère aimais d'être en mer, ou courir partout, comme des petits garçons de son age quand ils sont dans un vaste endroit inconnu. Dans cette époque, j'avais un père drôle, et il allais au fond du mér, lá-bas, loin, avec ma petite soeur toute heureuse dans ses bras.
Moi... J'étais très sérieuse... Je preferais faire des chatêaux de sable avec mes petits outils et mon seau rouge. Parfois, ma mère me prenait pour la main jusqu'au bord de la mer, et me demandait de mouiller mes pieds... - Je me souviens de l'odeur salé et humide de les vagues. Alors, je prenais la sable foncée et mouillée de cet endroit pour jouer, toute seule, un peu plus...
C'était le plus fond que je pouvais plonger sans rêver aves les requins...

(Septembre/2011)
(Perdão pelos possíveis erros. Soeur Servula entenderá. )

mercredi 22 février 2012

Sobre o Ódio


Sobre o ódio... não passa de preguiça e covardia.
Amor frustrado. Esperança decepcionada. Ilusão desmascarada.
E quando todas as suas expectativas não são correspondidas, você passa a maldizê-las. Acusa seu alvo e passa a dirigir-lhe ofensas e desprezo quando, na verdade, tudo isso não é mais do que um disfarce, uma tentativa de diminuir a sua culpa e lançá-la em outro. Uma forma de convencer a si mesmo de que a vítima é você.
No entanto - e lá no fundo isso é verdade -, você só lança aos outros as maldições que esperava que lançassem a você.
E todo esse teatro é apenas sua falta de coragem para se olhar no espelho e fazê-lo você mesmo. Falta de coragem para engolir o orgulho. Falta de coragem para abrir os olhos.

dimanche 12 février 2012

Doom



"Acho que o mundo vai acabar em preto e branco, igual a um filme antigo.
(Cabelo preto como carvão, amor, pele branca como a neve.)
Talvez, enquanto haja cores, consigamos sobreviver.
(Lábios vermelhos como sangue, procuro sempre me lembrar.)"

(GAIMAN, Neil. Coisas Frágeis II;
p. 158; Páginas de um diário encontrado numa caixa de sapatos [...])

jeudi 2 février 2012

Last years, First Days.

(02/Fevereiro/2011)



          Ela foi se afastando depressa, andando mais rápido do que os outros.
          Seus pés - em meio à balbúrdia - soavam destacados dos outros aos seus ouvidos. Ecoavam solitários e incessantes.
          E ela ia repetindo mentalmente, em ritmo constante:

         - ALways-Alone
         - ALways-Alone
         - ALways-Alone
         - ALways-Alone
         - ...

(02/Fevereiro/2012)








(Escola é sempre um ambiente bom para se inspirar. Fui descobrindo isso.)

jeudi 26 janvier 2012

Poeira

E poderia ser mais simples e menos doloroso. Um vento forte sopraria e então tudo seria levado. As palavras voariam do papel sem deixar marcas, cada letra se soltaria numa onda,pairando, por instantes, ao nível dos olhos, para então ser arrastada até perder-se de vista no horizonte. Suave, imperceptível. Nem sombra ficaria e o que agora é passado pouco importaria. À exceção daquele pequeno instante em que flutuou, dançando ao sabor do vento num grave vai e vem, um último rodopio para marcar a passagem. Restaria, então, apenas essa imagem - um relance, uma fração dessas que vez por outra nos caem na cabeça com aquele baque surdo antes de dormir, trazendo sonhos... e perdendo-se de novo.
Contudo. Não. Ele é mais cruel do que isso. Nada sutil, por que isso não é dele. O Tempo não apaga, ele esfrega com força, borra a tinta, amassa o Papel. Faz nele rasgos e dele farelo.
(00:04 ; 12-13/Jan/2012)

lundi 16 janvier 2012

Apreciação

Estava sentada no sofá, sentindo com alívio um friozinho reconfortando vindo do vento de chuva. Sim, é claro: havia chuva, e ela sempre escreveria quando houvesse chuva, não há dúvidas. Naquela madrugada ela não fugiu à regra. Já há algumas horas buscava uma inconsciência que não vinha. Leu até queimar os olhos, fechou-os até sentir o som da chuva preenchendo todo o seu corpo. Mas nem mesmo essa melodia suave lhe serviu de sonífero.
O sino da igreja bateu três, bateu quatro, bateu cinco horas, e ela continuava ali - ouvindo o sino, a chuva fraca, o galo, os ponteiros em ritmo constantes do relógio, o sino, a chuva, as árvores balançando, as camas rangendo, o sino, os atrito dos lençóis, a chuva, o lápis arranhando de modo agradável com seus ruídos sobre o papel, o sino, os estalos da geladeira, a chuva, o sino, a chuva, os ponteiros... Porque agora pouco importava o sono: o sol já ia nascer.
SHHH...
TIC TIC TIC...
BLÉM!
(31/12/2011; 5h 26min)
(Bem infantil e título improvisado apenas para não ficar em branco.)

dimanche 8 janvier 2012

... e tem coisa que não sei se fui eu
que pensei, se fui eu que falei, ou se fui
eu que ouvi...

- MONTE, Ronaldo. Memória do Fogo, pág. 52 -