samedi 14 décembre 2013

Cápsula do Tempo

(Sobre a Transição)
"Escrevi meu nome, mas não consigo
mais encontrá-lo.
Minhas cinzas se espalham como pó pelo
labirinto invisível."
[NGaiman]


Há muito brilho, muita diversão, muitas risadas altas. Festa, bolo, casa grande, carro novo, vestido longo. O mundo é completo. Paz-amor-sucesso-e-felicidades. Não, cavalos brancos ficaram velhos, mas há um louro alto, uma garotinha vestida de rendas e todos os olhares. Todas as luzes. Todas as palmas. Realizações. Tudo é perfeito. Você consegue ver? Venha, coloque a mão, não tema! Sim, é tão lindo. Há um jardim ensolarado. Que tal um brinde?
Mas... não? Não.
O que há é matéria. Cadeiras-tábua-chão. Parede-fria-terra-batida-cimento-duro. Falatório-carreira-briga. Nada é belo e o mundo se apaga em medo. O que há são sonhos de neve, brilhantes e fracos. Eles derretem escorrendo pelos vãos porque já passou tempo demais. E com eles vai embora o calor das mãos, que se tornam secas e velhas. O que há são projetos frágeis, mentes conturbadas e prazos cada vez mais evidentes. Porque a vida está ficando pesada e os relógios contam um vento denso. Os dias são tangíveis e quase podes tocar o tempo, parti-lo com teus talheres de prata e comê-lo. Só quase. Não consegues comê-lo porque ele não te desce pela garganta, te fere o paladar infantil que pede apenas por doces. Não consegues comê-lo por ser áspero e duro, arranhando tuas entranhas, por ser forte demais para teus dentes de porcelana.
O que há é barulho. Muito barulho. Palavras-zumbidos-algazarra. Gentes se derramando pela boca, sufocando os próprios ouvidos, e uma cabeça sem foco. Discursos demais, planos demais, que mal param de pé. Quando o último grão cair ninguém, vai saber o que fazer. Quando a próxima porta se abrir, ninguém vai saber para onde correr. Quando a hora chegar de te mandarem olhar para trás, que pena, ninguém saiu do lugar. Desde o início baratas tontas batendo com as cabeças e chocando-se nas paredes. O filme acelera, o volume aumenta, a cena ganha cores fortes, fortes, mais fortes, super saturadas, gritantes! E correm, correm, correm...
O que há é matéria. O que há é barulho. Gelo e peso. Coisas quebrando e fazendo estrondo, coisas que atrapalham e dão trabalho. O que há é pressa. Cansaço e cegueira, uma corrida no escuro. O que há é tempo. De concreto e chumbo, e o batem em nossa cabeça como um ovo, esperando que saiam dali vida e beleza. Não vai sair nada. Nem flores, nem amores e nem perfumes.
O que há são sonhos de neve. Sem bonecos ou flocos prateados. É apenas gelo cortante do que não podes fazer existir. É a fusão de cada beleza que um dia sonhaste. E o teto em brasa da realidade cai sobre os corpos, marcando-os como touros para o abate. É o calor que desfaz a neve. Derretendo, ela te escorre pelos dedos, te faz escorregar, mergulhado nesse mar de cadáveres.
O que há é a morte do que nunca foi. É a partida do teu eu que nunca existiu. É teu futuro que ficou passado e as folhas secas, para se quebrarem no próximo outono.
O que há... é não haver.



MensagemparaocuparoBranco
14 de Dezembro de 2013: Um ano exato daquele novo fim. Eu me pergunto sobre o que são fins. Eu me pergunto até onde valem minhas filosofias. Até onde vale qualquer filosofia?
De tudo, o que é que fica? Sobram sombras. Restam retalhos. Ficam fios. Fios soltos, balouçantes, fazendo cócegas quando roçam a face ou irritando a pele sensível. Ecos. Somente.
Isso foi o que me sobrou da nossa cápsula do tempo, das memórias e ilusões e fantasias ingênuas que nunca desenterraremos. E eu descubro que isso bastava. Que a imagem basta. Imaginada. Como dizer o que é verdade ou mentira, o que é certo ou errado? Acaso sei se, ao menos, existo ou sonho eu mesma? Ou sou eu sonho?
Vãs as filosofias.
Vãos os anéis.
Os dedos também.
O único valor é a imagem. É a mente. Pois que, não sabendo de nós, sabemos do que parte de nós. Como premissas, temos o mundo na palma da mão. Às favas com as verdades. E com meus niilismos. Se nada vale de nada, façamos do Todo o que quisermos. Façais. Que eu fico aqui, e observo. Observo-os dançando, valsando sobre brasas ardentes, voando sob a chuva ácida. Observo-os porque, em si, viajam pelo arco-íris. E é só isso o que importa.
Há um ano, minha verdade era outra. Meu princípio era outro. Minha filosofia era outra. 
Mas isso não importa. Há um ano, o mundo era outro, como cada um de nós. O que fizemos? O que faremos? Só depende do quanto saberemos ceder. Saberão.
Ignoro os lados para os quais desdobraram. Não que isso importe. Nada importa. No entanto, de olho na foto, basta-me que, um dia, flores assim tenham brotado - e que olhos a tenham visto, e que mãos a tenham tocado.
Não é otimismo, nem conformismo, nem ismo algum. É Aristóteles.


2 commentaires:

  1. Eu não tinha lido esse, mas acho que a gente estava meio que passando pelas mesmas crises existenciais escrevendo né haha. Genial como de costume. O jeito que opos as palavras e o ritmo do texto são muito bons.

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  2. Muito bom, gostei de mais.

    Até onde vale qualquer filosofia?

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