lundi 16 septembre 2013

Juncos

Campo aberto
Desenvoltura
O mesmo poder de decisão
Que tem um pêndulo
À mercê do vento

Sem referência
Desproteção
A mesma firmeza de terra
Que tem os pés de anjos
A pisar nas nuvens

Muros caídos
Despejo
Nas costas o mesmo sustento
Que tem a casa sem pilares
A tombar

A então plenitude
Desprevenção
Aquela imponência sob o vento da relva
Que o tem de todas as direções
A lhe fustigar

O desapego
O destemor
Desimportância

É o que há
Para hoje

mardi 3 septembre 2013

Querido Patrulheiro, Maldito Jardineiro...

02 de Setembro + 1

“Acredito que aos 19 a pessoa tem o direito de ser arrogante; geralmente o tempo ainda não começou suas furtivas e infames subtrações. ...

Demorei pra me lembrar de que já conhecia esse texto d'A Torre Negra. O Stephen King é ótimo (salvo certas bizarrices), mas, de início, poderia muito bem ser autoria sua, e muita coisa poderia muito bem ser dita pra mim - a começar pelo número.

"O Patrulheiro mesquinho acaba mais cedo ou mais tarde podando você"
O tempo vai nos desapaixonando aos poucos... Vamos nos homogeneizando, nos assumindo como apenas mais um. Será que precisa ser assim? Eu queria que a face cada vez mais borrada e ensombrecida no espelho me respondesse ao invés de se mostrar cada vez mais apagada. Mas é isso que ele faz, não é? O Patrulheiro e o Tempo: nos podam, nos levam a força de explosão, nos pressionam, diminuem, apagam. Nos fazem grãos de areia.
Sim, nós somos grãos de areia. Somos menos. Átomos de hidrogênio flutuantes, é como ele diz. Mas e daí? Por que, então, não nos definirmos - no mínimo? Sem
UM, O grão de areia, que seja, mas O.
De qualquer modo, é meio inútil, querer ser definido perde o sentido quando começamos a nos definir.
"Tudo o que é sólido se desmancha no ar". O não sólido também. Os sonhos, o Gaiman diz, e o bater do coração.

Obrigada, Marcela, pelo texto e por tudo. Me fez voltar a pensar, e isso é sempre bom. E obrigada por ser também um pedacinho de poesia, que tenta ser mais que um grão de areia - que seja um ponto final ou um pingo no I, e que seja em forma de coração!, haha, assim a gente aglutina, divide, aumenta, e a poesia prevalece.
Enquanto ela viver, como a Torre, ela nos mostrará para onde rumar. (:

Acho que agora já sabe meu pedido. Mesmo assim não o direi, pra ele se realizar.


fffuuuu!

lundi 2 septembre 2013

Tabacaria

"neste lugar solitário
faz a conta doída:
em lançamentos diários
a soma de sua vida"
(Jose Paulo Paes)





Tudo previste. De algum modo, sempre soubeste de tudo. O que será que eu seria hoje? O que dirias? Que aprendi? Que te ouvi? Olha para mim, hoje: escrava do relógio. Ao menos não maldigo... No entanto, depois de tudo, eu não pude e dei ouvidos - e quis rupturas no silêncio.
Fraca. Quebrei-me em tantos pedaços que não sei mais contar. E matei tantos deles, deixei tantos de mim para trás...
Mesmo assim... E se eu dissesse que, de alguma maneira, em uma pequena face desse imenso e multifacetado prisma, eu estou bem? Que dessa pedra tosca, opaca e desbotada sobrou um lado no qual, sabe, eu sou de algum modo feliz? Orgulhar-te-ias de mim?
Não irresponsável, não exagerada, não insuportavelmente. Feliz. Apenas. Quase sem perceber. Limpa. Estou finalmente respirando, entende? Como uma ilha. Como a torre na ilha. Quebrada, desbotada e abandonada. De pé.
E se eu dissesse que é uma felicidade triste, e ainda assim bela e arejada? Que seu riso é silencioso, mas agradável, que é fraco, mas encantador? Que ele força-me os lábios, mas que mos adoça?  E que ela me olha com ternura, compaixão e... amor? E que ela me protege de todas as minhas velhas dores, e me esvazia de cada sangramento? Virias comigo?
E se cada sangramento fosse eterno? Ajudá-la-ia?
E se a única falta for desconhecê-la? Ficarias satisfeito por mim?
Sangraria comigo? ... voaria comigo?
Indago se me podes ver. Aqui, tristemente feliz. Mas não, querido. Não. Está tudo girando. As coisas subitamente estão pulsando, pungentes.
É que a dor é tão grande.
Ela é tão silenciosa que nem grito, e me está assustando. Cravo na peles as unhas, gemendo, apertando os olhos. Percebes?
Não, eu não estou bem. Diz-me o que fazer. Diz-me... Que farias? Soubesses, mander-me-ias ser feliz? Mandar-me-ias arriscar? Pudesse ser tudo posto a perder, insistirias? Fica, Silêncio, ao meu lado. Quieto e presente. Pesa. Que diz agora? Dir-me-ias que tente?
É que dói tanto... Dói.
Não quero que volte na noite. Não há águias aqui para voarmos. Quero que digas apenas. Será que a cada vez mais doerá? Será que a cada vez mais sangrará? Sempre mais, e mais, e mais... Será que vou sobreviver? Não quero, porém, sobreviver. Não assim. Diz-me, então, queres que tente de verdade?
"Às vezes, só às vezes, eu queria não precisar morrer."
É que... de repente... a dor é tão grande.


"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."
(Saramago)

Retrato do Poeta Quando Jovem
(Saramago)
Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
 No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.