samedi 22 février 2014

91



- Sabe aquele Patrulheiro? Pois é. Eu gostaria de ver o brilho nos olhos dele quando eu o contasse que cresci tanto que já sirvo em minhas calças. Algumas delas são mesmo maiores do que eu. Eu gostaria de vê-lo sorrir ao constatar o longo tempo desde que remendei minhas roupas pela última vez. Olha pra mim, meu bem. Ele me levou a cor dos cabelos com tanta força que foram todos vãos os litros de tinta que gastei nele. E sobre as explosões... Oh, minha querida, não seja tola. Eu já nem sei o que é sentir calor. Faz frio há tanto, tanto tempo...

E, com os dedos frágeis mergulhados naquela cabeleira loura e macia, a velha perdeu o olhar em qualquer objeto longínquo que apenas ela via. E balançava-se de um lado para o outro, embalando a si mesma com um cuidado materno que já não lhe havia.

- Eu nunca gostava de pensar no futuro, porque, sempre que me perguntavam, eu não enxergava senão um breu. E desde muito antes dos meus 19. Hoje eu desconfio de que o Patrulheiro chegou pra mim mais cedo, e que muito de mim já estava morto antes de eu começar a nascer. É muito triste ser aborto, minha filha... - e deu uma risada arranhada - ah.. não se preocupe, nem sabe o que é isso, não é? Eu até dançava, sabia? Eu corria em volta dos móveis pela casa... Mas hoje... Hoje, nem você, filha. Eu bem queria subir nas árvores com você, mas não é que não possa, apenas não sou mais essa. A gente não tem poder de decisão, sabe. Eles tiram de você e você apenas se vira. Resistindo ou não, aprende. Dizem que isso é crescer, mas acho que a gente só cresce até os 19.

- Não, Vó. Você cresceu até 91. Um dia eu vou ter 91 anos. Eu vou ser beeem velhinha, e vou ficar linda que nem você. - Fez a menina, ajoelhada em seu colo, apertando as bochechas da mulher, que sorriu com tristeza, olhando para aqueles olhos azuis.

- Querida, não diga isso. Que bobagem! Depois dos 19, cada dia é só mais uma morte... Deixe-me olhar para você. Ah... Você só sabe sorrir, não é? Haha. - E apertou-a no peito. - Será que meus olhos eram brilhantes assim? Não sei mais. Quando penso no que via no espelho, pareço ver alguém que não existiu nesse mundo, apenas em um outro espaço, em um tempo tão distante que não sei se é passado ou futuro. É tudo uma roda, de qualquer jeito. Frente, trás, mais do mesmo sempre. Você nem vê, meu amor, vê? Claro que não. Dessa altura, tudo deve ficar tão pequenininho!

- Ai, vó! - disse a menina revirando os olhos. - Mas eu sou pequena, olha. - E colocou sua mão na da velha.

- Olha que mão grande, menina. Até cabe meu rosto nela! E você não precisa de mais do que isso, ora. Nela cabem suas bonecas, os pintinhos do terreiro, o rosto da sua mãe e.. olha, estica bem os braços para a janela. Viu, querida? Até o sol cabe nelas! Eu queria ser grande que nem você, meu amor. Mas foram mais fortes do que eu... Ah, ele tem mãos tão fortes. Eu não sei porque ele mesmo continua crescendo... Acho que ele não tem idade, deve ser algo assim.

- O Patrulheiro, vó?

- É, o Patrulheiro, mocinha.

- Mas então eu vou atrás dele e ele vai ter que pedir desculpas para você!

- Como, minha filha? Vai voando? Ninguém sabe onde ele está... Depois que perdi minha Torre, percebi que tentar buscá-lo é o maior erro. Não gaste suas asas, meu bem, fique aqui quietinha guardando sua Torre e ele não vai incomodá-la. Ele não gosta de ser encontrado, porque ele não gosta de estar vulnerável. O Patrulheiro está sempre um instante à sua frente. Você vai encontrar as marcas de seus pés, o resto de seu jantar, as brasas de seu acampamento, mas nunca vai alcançá-lo.

- Ele é um bobo. Se ele acampa, é porque não tem casa. Deve ser um preguiçoso!

- Não, meu amor... Ele se alimenta é da nossa coragem. Quanto mais alto se voa, mais as asas sangram. ... Menina, menina... Há tanto tempo eu fiquei pequena. Eu daria tudo para voar mais uma vez. Para brincar de borboleta entre as roseiras do jardim. Mas o tempo já...

A menina tirou as mãos molhadas do resto da avó. Salgadas. E o silêncio estendeu-se.
Uma janela bateu, as cortinas verdes farfalharam enquanto a poeira da estante pairava no ar em um raio de sol que estava coberto há dias...

- Vó..?
- ...
- Não fica triste... Eu acho... que seu cabelo parece nuvem! Um dia eu quero um cabelo assim também. - Ela disse esticando os bracinhos e pondo-se na ponta de um pé, equilibrando-se com o outro para tentar alcançar os fios ralos do coque da velha, que abaixou a cabeça e a olhou com amor por cima dos óculos.

- Por quanto tempo vai continuar assim tão doce? Por quanto tempo ainda buscará as nuvens, hein? Por quanto tempo ainda será tão fácil tocá-las?

Então tomou-a pela cintura, com dificuldade, e a fez sentar-se no chão de novo. Buscou um terço de contas amarelas no braço da cadeira e saiu arrastando os chinelos.

- Onde... ?

- Fique aí, querida. - disse esfregando ligeiramente a ponta dos dedos no topo da cabeça dela.

- Vó, você não gosta de rezar!

- Só hoje, meu bem. É só um instante.

- Mas para quê esse terço?

- Para você, minha filha. E pro Patrulheiro. - Para que ele encontre satisfação em outras dores, e deixe suas asas onde estão, querida Alice. 




Que um dia, chegando aos 91, possa ser você a sorrir para o Patrulheiro. Bem vinda à próxima Primavera, Alice. Ou, para os leigos, Feliz Aniversário.

 - O que nós dizemos para o Patrulheiro? Hoje, não! -
:)

samedi 15 février 2014

Partida

Aprende.
Só se parte uma vez.
As paredes, cores e texturas são as mesmas, e, sozinha, no escuro silencioso da madrugada, me abrigo em meus lençóis. Por um momento, a janela e a porta vermelha me são tangíveis, mas é tudo outro. Eu não vivo grandes coisas, mas são as pequenas que contêm as respostas.
Eu poderia me escrever da lua ao pôr-do-sol, e ainda assim não se saberia. Ninguém mais é capaz de dizer-me. Nem de tentar.
Nem minhas paredes e lençóis. O sangue do meu sangue.
Nos iguais incompreendido, talvez, harmonize em um porvir qualquer. Só não mais o mesmo.
Não chore, não me olhe assim, não diz nada. Não estou partindo de novo. Na verdade, eu nunca voltei realmente.

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