lundi 17 juin 2013

"Quando há ferrugem no meu coração de lata..."


"Vocês querem saber porque não levo a sério essas panacéias sociais? É porque não creio, repito, na bondade inata do homem. O homem está mais perto do animal do que ele próprio imagina. Tem ainda a marca da jungle. Essa história de amor cristão, do altruísmo, etc, não passa de conversa fiada. O homem hipocritamente se atribui sentimentos e qualidades que na realidade não possui. [...]  É, vamos dizer, um carreirista safado no campo moral."

Eu.
Bem. Romântica. Utópica. Paradoxalmente, muito realista. De leituras sem fim, descobri um sem dim de outras maneiras de levar o mundo, e sempre quis que elas fossem reais, quis que fossem fáceis e que o mundo terminasse em um feliz para sempre como na maioria deles. 
Se isso importa agora? Não. 
Todo esse "nunca acontecer" me esgotou. Hoje? Cética. Nem lá e nem cá, que nenhum partido vale a pena, nenhuma cor, nenhuma bandeira, nenhum slogan. Somos, no fundo, inescapavelmente, seres humanos, e tudo o que pára nas mãos dos homens acaba errado. Não é preciso saber muito de história ou de tragédias gregas para saber disso. Nessas horas, sempre me lembro do Tio Bicho, quando o conheci, há alguns anos: "É uma sorte o pôr-do-sol não depender do governo de nenhuma autarquia, porque, se dependesse, o trabalho cairia nas garras de funcionários incompetentes e desonestos, haveria negociata na compra de material, acabariam usando tintas ordinárias... e nós não teríamos espetáculos como este."
Em síntese: bom é que nada fique nas mãos dos homens.

Esse desapaixonar-se é bem complicado. Ser imparcial, sóbrio, racional, faz lá suas podas também. Essa busca por uma tal "verdade", "a palavra mais justa e a mais serena, que no fim das contas era quase sempre a mais crítica e a menos humana", nos faz, ironicamente, desumanos. Acabei por perder a anima disso também. O tal mito da caverna? Descobri ser bobagem de filósofo. O escuro do quarto é muito melhor do que queimar os olhos na luz do sol e ter tanto ar para filtrar. Os finalmentes? Cansaço. Tanto discurso e ladainhas e faces bravias nunca resolvem o problema. O fogo que explode no primeiro embate murcha bem rápido quando surge a necessidade de pensar, de dar nomes e a cara a tapa. Não dá muito para insistir sozinha, quando todo mundo ia embora, passando a bomba para frente.
Ganhei essa alma velha rabugenta - desprezível -, e não consigo não pensar algo como "voltem para a casa que em uma semana isso não importará mais. Não sejam tolos."
O meu slogan? Não há conserto. Não há esperança. Só explodindo tudo - por mais triste que fosse queimar borboletas, lobos e tulipas. Que o melhor é amarrar os humanos no precipício e deixá-los definhando à mercê dos corvos. Um movimento e duas metas cumpridas: o homem sofre o que merece e o mundo se livra dele. Todos ficam felizes.

E eu resisti. Ignorei. Olhei por cima e fingi não ser comigo. Logo passa. Hoje é bonito fazer revolução. E não, não é fascismo, é fato. Mas então não deu mais... Aquele bichinho voltou a revirar no estômago e começou a querer falar por trás das muitas mordaças que lhe impus. Tudo isso. Toda esse energia... sim, você não sente a energia, a vibração, um sorriso bobo subindo pela garganta, tentando romper entre seus dentes? Eu sinto. Tudo isso é lindo. É bonito.
É vazio também. Oportuno, hipócrita, preguiçoso. Cheio de auto-afirmação, de egoísmo e de muita - muita - ignorância. Cheio também de julgamentos superficiais, de clichês e de poses. E, aguarda, a acomodação vai se fazer notar de novo - apenas saiu para o almoço. Eu, bem, não "sempre soube", mas descobri que é assim. Tolkien - de novo ele - já escrevera que "é sempre assim com as coisas que os homens começam", e que após uma chuva ou uma geada "suas promessas fracassam". Sim, é. Quando o fogo apagar, voltarão para seus sofás e para suas frases de efeito, esquecerão as palavras de ordem, e só se lembrarão da dor e do esforço se tiverem sido o bastante para alguma cicatriz.

Mesmo assim... Mesmo assim, com esse ceticismo engolindo meu romantismo adormecido que tenta despertar. Mesmo assim, com minha descrença amenizando toda as expectativas. Mesmo assim, racional o suficiente para saber que o mundo amanhã vai amanhecer o mesmo. Mesmo assim...
Por favor...
...não me decepcionem.
O que está acontecendo é mesmo lindo. Olhem-se no espelho e convençam, não a mim, mas a si mesmos de que querem, sabem e podem fazer algo. De que, se não puderem, ao menos desmintam Tolkien, e não deixem fracassar as sementes.

Hoje, eu quero dar um voto de confiança, eu quero que seja coerente arriscar, eu quero que valha a pena confiar. Hoje, só hoje, eu quero ter esperanças, eu quero querer que dê certo. Então, por favor, não decepcionem. Não decepcionemos. Porque, que sejam por quinze minutos, o mundo acredita em nós.

[Citações de O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo.]


[Tela Morning Blossom, de Vladimir Kush]

"Cravos e tulipas bombardeiam
Um jardim novo se levantará
[...]
Amanhã... Será?"

[O Teatro Mágico, Amanhã... Será?]



6 commentaires:

  1. Assim como você, não acredito na salvação do homem. O melhor mesmo é explodir tudo. O homem não presta e lutar por tudo isso agora é modinha. Você disse tudo que eu queria dizer nesse texto rs

    RépondreSupprimer
    Réponses
    1. Não, Thays. Você não pegou a reviravolta dos últimos parágrafos.
      Sim, na maioria das vezes, as manifestações me cansam, porque eu sei que "é barulho por nada". Mas não dessa vez. O que está acontecendo é uma coisa linda, é emocionante ver as fotos e os textos na internet - mesmo com todo o lugar comum e os clichês.
      Eu não acredito na salvação do homem, mas nessa hora eu estou engolindo meu ateísmo e torcendo para que, disso tudo, um pouquinho ao menos fique.

      Supprimer
  2. Aah entendi. É, nos últimos parágrafos você deixou claro mesmo que apesar de não acreditar na salvação do homem, ao menos dessa vez está dando um crédito para eles. Nesse caso eu jã não concordo, eu meio que perdi toda e qualquer esperança, nem mesmo agora acho que eu daria crédito a eles =/

    RépondreSupprimer
  3. Estamos nessa por quem havia desistido, pelos que estão desistindo e por aqueles que virão a desistir. Estamos na luta pelos desacreditados, que tiveram seus olhos tapados por um sistema rude e que joga baixo. Talvez a mudança não seja a esperada, mas temos que mostrar que estamos aqui e que não estamos só aceitando.

    Essa geração (que é a nossa) está dando um ótimo exemplo pra outras: de que, sem luta, não há vitória. E que a vitória, muitas vezes, custa caro. Eu vou contra os conceitos da minha família e dos que me cercam. Sim, ainda tenho em meu meio pessoas dizendo que estudante é maconheiro, que estamos fazendo arruaça. Mas nós devemos lutar por essas pessoas. Por quem não recebeu a luz da Educação, pelos que foram cegados pela opressão de algum tipo de religião.

    Nem todos pensam como eu, como você. Nem todos tiveram a sorte de ter crescido em um meio regado de boas coisas. Mas, enfim, gostei do texto. E sim, acredito no homem. POUCO, mas acredito.

    André Mariano

    RépondreSupprimer
  4. Bom, depois de longos 13 dias eu FINALMENTE tive tempo para ler seu texto e realmente ficou perfeito. Você conseguiu dizer tudo, agregar as idéias de uma forma incrível.

    Nesse tempo todo que levei pra ler seu texto muita coisa aconteceu e muitas informações já trocamos e discutimos por e-mail. Mas o que mais me impressiona é que assim como você achei que seria algo de uma semana, no máximo duas e logo todos estariam de volta pra casa cheios de fotos de manifestações para postar no Facebook com frases marcantes que acharam no Google. E pra nossa surpresa o que é que acontece? Bastante coisa começou a mudar, nossos funcionários que trabalham no governo tiraram a bunda do lugar pra fazer alguma coisa (mesmo que não seja 100% já é alguma coisa) e, segura que essa é a parte mais incrível, estamos a quase um mês do início das manifestações e elas não pararam até hoje! A grande maioria das cidades do país aderiu a essa onda para melhorias locais e/ou nacionais. De certa forma isso muito me anima, não fomos decepcionados e ainda tenho esperanças que mais coisas mudarão, para melhor.

    É claro que tem toda aquela conspiração por tras, mas isso é assunto que fica para outros comentários, e-mails ou até mesmo textos. rs...

    RépondreSupprimer