dimanche 6 septembre 2015

The Last Round

"I want you to hit me as hard as you can." [The Fight Club]


David Mack

LET THE FIGHT BEGIN
Depois de bons três quartos de hora, ali estava ele, sobre seus pés, o rosto a poucos centímetros do alvo, observando-o fixamente com olhos que não são os da cara. Ereto, os braços relaxados, as pernas entreabertas. Era provavelmente destro, tendo perna esquerda um tanto significativamente avançada. As pontas dos dedos experimentaram o corpo imóvel, quase como numa carícia, e ele deixou aquela aspereza penetrá-lo como quem medita. Ele poderia estar tocando sua amante, não estivessem seus dedos se fechando frouxamente. Apenas o traía o peito. Apesar dos olhos mortos, seu peito subia e descia profundamente, e até mesmo as pedras pareciam vibrar à sua pulsação.

Por dentro, ele queimava.

Foram três quartos de hora para a reação se pôr finalmente em movimento, e muitos quartos de semana, de mês, de vida, em fogo brando, acumulando, guardando, engolindo a acidez da bile que não sabia digerir coisa alguma daquilo. Uma vida em fogo brando. Odiando.

Seu último piscar de olhos vem em câmera lenta. Como em uma dança, seus pés recuam, seus braços se enrijecem e levemente se vão flexionando, colocando-se à frente do corpo, levando os pulsos à altura do rosto. Gira os dedos, estralando-os, pequenas bombas para as silenciosas margens do lago. A cabeça começa a traçar seu semicírculo, os olhos percorrendo o chão e erguendo-se novamente, sem hesitar, os cotovelos correm para trás em um arco, e os dentes firmemente encaixados agarram seu fôlego.

Que a luta comece.

Sem palavras mágicas, cajados ou braços abertos, o mar plácido se fende e estilhaça antes de poder estremecer. As águas arrastadas como um lençol acertado por um projétil. Carne e couro disparam. Os olhos se apertam quando o corpo não recua nem desacelera. O choque o atinge antes mesmo do contato.

À parte o tremor, não mais do que pele esfolada. Fraco!
Vendo os nós dos dedos firmes e a pele sã, aumenta o ímpeto, libera a força, e agora, mais veloz, não se vêem seus dedos dobrando-se novamente antes de serem parados pela rocha que não os repara. Cega. Surda. Urra.

O cotovelo está de novo recuado, agora mais longe do corpo, o tórax mais curvado, o braço oposto colocado à frente puxa com força e gira o corpo com vigor crescente, furioso. No terceiro choque, o couro rompe. A seiva se derrama numa explosão vermelha e quente. Naquele mar rubro, a tensão se rompe, sobrevém a respiração aliviada, a carne ofega e sua, quase engasgando como um náufrago finalmente liberto. Aberta em rasgos doces e úmidos como uma flor inerte expulsa da semente. Vibra.

Um segundo imóvel, punho e rocha são um, conectados por veias invisíveis, o mesmo sangue a ambos banhando. Os lábios secos dele se curvam, e ele os umedece com a ponta da língua. Dois segundos, e é como a vida entrando nele. Três segundos e sua cabeça gira, ele se sente ébrio.

No quarto, o jogo recomeça.

Os dentes ficaram à mostra sob a testa franzida. A cada golpe, sua pele se escancara mais e seu sangue derrama. A dor faz seus olhos fechados, e ele os abre de volta, assim como força seus braços e mãos a despertarem do entorpecimento e do estremecimento que seu cérebro os impõe. Cada nova mancha escarlate o arma com mais energia e tudo o que ele quer é enterrar-se na rocha com mais força, com mais força, mais força.

Mais força.

Seu torso girando, indo e vindo, os braços em cadência agora perfeita, mesmo nos instantes em que parecem vacilar, prestes a jogarem a toalha contra o corpo que, irredutível, os desafia a continuar na dança.

Macabro. Sádico. Embriagado. Louco. Ele já não pensa. Toda a lenha de sua fúria vira um borrão de sangue. Ele sente algo se trincando - algos. Prossegue, porém, com a violência de um possuído, investindo contra a parede insensível. Seus urros já não se ouvem, ecoando sob o arco da ponte. Nem as vozes que o perturbavam, as risadas, os sussurros, os rostos nos ônibus, os corpos nas ruas, as flores nas igrejas, os abraços ensaiados, os sorrisos de batom, os gritos e os silêncios, as multidões e os desertos, Tudo aquilo que o deixara cego e em chamas cai agora no chão com um silêncio assustado enquanto ele se bate numa batalha desigual.

Os pés balançam e os joelhos vão deslizando para frente, lentamente, como uma folha ao vento. Tocam o chão macio surdamente, e ele deixa sua testa bater-se suavemente contra a rocha pegajosa. As mãos que não sente fazem tremer-lhe o corpo inteiro, e ele não consegue respirar o suficiente. O peito cedendo. A garganta arranhada. A boca engolindo ruidosamente mais ar do que conseguia respirar. Ávida. Desesperada. Agoniada.

Uma onda retorcendo-se dentro dele, ele dobra-se sobre o próprio ventre e vomita todo o seu estômago vazio. Então, como um lembrete de que o pior ainda virá e que o show apenas começa, vêm a dor, a náusea, muita dor, e lágrimas.

O fogo de ódio que emanava de seu corpo dilacera-o agora mais do que nunca. Ele quer vomitar a si mesmo para dissolver-se no lago cristalino que não parara para apreciar seu drama. Aos poucos ele se acomoda na terra em posição fetal. Sem forças para os espasmos dos soluços, lágrimas e baba caem em torrentes mudas. De repente, ele sente frio, mas só o desespero o abraça. Nenhum braço quente, nem uma pele doce e morna ao alcance de seu chamado sem voz para atar seus braços e salvar suas mãos.

Mergulhando na inconsciência enquanto seu corpo se desliga e por fim cede, tenta sussurrar. É tão bom sentir de novo. Mas, na sua dor, seu medo e sua agonia aterrorizantes, não consegue mais do que gemer, e tenta esconder dos olhos a massa disforme e aberta que um dia foram suas mãos. Enquanto ele ainda pode ver o suficiente para se incomodar.

Fight Club 2, Comic Book