vendredi 19 décembre 2014

La Belle et la Bête


"— E você gosta daqui?
Ela olhou para ele e balançou a cabeça
Eu me sinto uma hulder.
Ele já ouvira aquela palavra na Noruega.
— Elas não são uma espécie de troll?
— Não. São seres das montanhas, como os trolls, mas vêm da floresta, e são muito bonitas. Como eu. — Ela sorriu ao dizê-lo, como se soubesse que era pálida, tristonha magra demais para ser bonita. — Elas se apaixonam fazendeiros.
— Por quê?
— Sei lá. Mas se apaixonam. Às vezes o fazendeiro percebe que está falando com uma mulher hulder, porque ela tem um rabo de vaca nas costas, ou, pior ainda, às vezes não tem nada atrás, é oca, vazia, como uma concha. O fazendeiro faz uma prece ou sai correndo, volta pra sua mãe ou pra sua fazenda. Mas às vezes o fazendeiro não foge. Às vezes ele joga um punhal por cima do ombro dela, ou simplesmente sorri, e se casa com a mulher hulder. Aí o rabo dela cai. Mesmo assim, ela é mais forte que qualquer mulher humana. E sente falta de seu lar nas florestas e nas montanhas. Nunca será feliz de verdade. Nunca será humana.
— E depois, o que acontece com ela? — perguntou Shadow. — Ela envelhece e morre com seu fazendeiro?
Ela fatiara a maçã até o caroço. Então, com um movimento do pulso, atirou o caroço num arco, de cima da encosta."





GAIMAN, Neil. Coisas Frágeis.

lundi 1 décembre 2014

Tyrius



Ele tinha pés pequenos, o nariz achatado , o corpo robusto, e trazia um largo chapéu. Nas mãozinhas, as únicas e minúsculas flores que a neve não cobria, azuis e vermelhas, e brincava com o vento que o jogava de um lado para o outro entre as pedras, apenas preocupado em não perder as flores da Donzela do Rio. Mas daquela vez ele caiu. O sol cedeu às sombras e o vento se recolheu. A água silenciou. E ele não viu mais nada.

 
PRÓLOGO

Um enorme dragão branco pairava no céu, flutuando mais silenciosamente do que o vento, que não soava mais que um sopro naquilo que era como um balão de papel navegando nas gêneses do sol nascente. Seu calor brilhava translúcido, e a ela ali mergulhava como em alvos lençóis de algodão. 
O corpo quente da terra contemplava com seus olhos cegos e respirava a suspensão do tempo, em que o céu não girava sobre si. Sem gravidades. Sem acelerações. Sem vida. Sem morte. E ansiava.
Até que sente roçarem os primeiros fios, percebe, despertando, que as engrenagens voltam, retomando seu adagio agudo. Então, abre os olhos esperando ver cometas e fogo. Não os há.

A barriga do céu fora atingida e do buraco da flecha corre seu sangue anil. Espalhavam-se dali braços desesperadas e garras que o destruíam para dentro.  Rasgado e dilacerado, o couro se esgarça e surra, perdendo as bordas como se roídas por traças invisíveis. Mas ele não sabe descer, e só consegue exibir os trapos que não pode salvar.
Seu barro árido seco duro pedia ao céu que chorasse as lágrimas que nela secaram e ela se abriu para o sal de suas grandes gotas quentes. Que nunca viriam. Dilataram-se poros e veios vindos desde o seu âmago enquanto ela chamava as flores e gritava que era passado o tempo de florescer.
Os trapos dissipados parecem incandescer e finalmente caem, sua queda dada em novelos de pequenas nuvens é um fino cristal e a chama do dragão extingue-se em neve, banha a terra de botões de gelo, queima até a necrose sua pétala rosada. Dela, que ainda não sabe chorar. E ainda o céu não chora por ela.
Só resta a água ácida desse corpo sem vida, um dilúvio que afoga sem saciar, que consome sem consolar. E a terra, faminta, permanecia infértil, apenas durando, enquanto o céu chovia despedaçado a morte azul de um dragão branco.


Nota: Créditos ao Dono do Vento http://sempreler.tumblr.com/archive, sem cujo sonho eu jamais teria tido a ideia para esse texto. E, claro, ao duende Tyrius, pelas flores. (:

jeudi 27 novembre 2014

Pour effacer l'absence

Fabiano Oefner, Iridescent


Ela chorava bolhas de sabão
E de seus olhos escorria
Melancolia furta-cor.

samedi 1 novembre 2014

Fátuo

Uma gota de sol afundou em um mar de pó e fez-se nada.

Somewhere around Unicamp, 06.2013


Ontem houve uma gota de luz
Hoje ouvem a chuva funérea
Amanhã, da estrela, enfim, a cruz
Traçados cinzas sobre a tumba dela
Porá a cabo outra vida fátua?

Um outro sopro sobre qualquer vela.

mercredi 1 octobre 2014

Scorpio

E eu, única Virgem nesse ninho de Escorpiões, não me apercebi do veneno que me inoculáveis.
E vossa Loucura peçonhenta é o que me sobra.



Raposas.
Alucinações.
Digo-vos que sejam.

vendredi 19 septembre 2014

Sentença

As Parcas


"- Queres saber duma coisa? Quando eu dava balanço em minha própria vida, levando em conta apenas uma parte da realidade, chegava às conclusões mais pessimistas... Quem sou eu? Um saco de fezes. Uma bostica de mosca no Cosmos. Que é o tempinho da minha vida comparado com a Eternidade? Agora, eu te pergunto: qual é a conclusão a que se chega ao cabo de um raciocínio como esse? É a de que estamos encurralados, num beco sem saída. O remédio é cruzarmos os braços abjetamente ou meter uma bala na cabeça.
[...] Um dia, pensei seriamente no suicídio. E sabes o que aconteceu? Quando compreendi que estava ao meu alcance acabar com tudo, passei a ter mais respeito pela vida. A idéia da morte, menino, dá à existência mais realidade, mais solidez. Minha vida daí por diante ganha como que uma quarta dimensão.
Eu estava numa encruzilhada terrível, nesses namoricos com a morte (no fundo eu sabia que não sairia casamento)... Sim, concluí eu ao cabo de sérias leituras e cogitações, posso ser uma grande porcaria e a Big Cadela me espreita, pronta para saltar sobre mim a qualquer instante... Mas acontece (e isso deixa os psicólogos loucos da vida) que há um abismo entre as coisas que são abstratamente verdadeiras e as coisas que são existencialmente reais. Ora, acontece que, queira ou não queira, eu existo nessa hora e neste lugar. Que fazer então com a minha vida? Por que não opor à minha insignificância na ordem universal, à minha mortalidade, à minha imponência diante do Desconhecido, uma espécie de... atitude arrogante... erguer meu penacho, lançar um desafio meio desesperado a isso que convencionamos chamar Destino? A vida não tem sentido, mas vamos fazer de conta que tem. E daí? Bem, aí eu transformo minha necessidade em fonte de libertação e passo a ser, eu mesmo, a minha existência, a minha verdade e a minha liberdade.
- Mas essa idéia de que somos livres e únicos responsáveis por nossa vida e destino não será uma fonte permanente de angústia?
- Claro que é.
- E não é a angústia o nosso grande problema?
- Homem, há um tipo de angústia do qual jamais nos livraremos, porque ele é inerente à nossa existência. É o preço que pagamos por nos darmos o luxo caríssimo de ter uma consciência, por sabermos que vamos morrer, e por termos um futuro. Assim sendo, o maus sábio é a gente habituar-se a uma existência pacífica com esse tipo de ansiedade existencial, fazendo o possível para que ele não tome nunca um caráter neurótico.
- E tu achas que essa atitude é uma solução? [...]
- Que solução? Não há solução. Como disse um desses bunda-merdas europeus, estamos condenados a ser heróis."

Tio Bicho e Floriano. VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento, vol. III O Arquipélago, p.396-7.

mardi 2 septembre 2014

Parto

Choro
Anos depois de abertos
Os pulmões ainda cospem
Afogados

Suor
Anos depois de limpa
A pele ainda mela
Ensanguentada

Ato
Anos depois de seca
A carência ainda pede
Ferida

Parto
Anos depois de parida
A carne ainda grita
Doída

Morto
Anos depois de parida
A vida ainda mirra
Partida

dimanche 24 août 2014

Aqui, no fim de todas as coisas...

Methuselah Star [oldest star, 14,5 billion years]
Saberemos nós morrer? E dar as costas sem fechar s olhos, e olhar adiante sem tremer com o esforço de não voltar a cabeça em busca de um outro aceno. Saberemos desistir quando não houver mais acenos para dar ou receber? E dar as costas sem atormentar-se por não ter ficado mais, sem envenenar-se de ses. Saberemos soltar as mãos? E desatar os abraços quando o frio não ceder e romper os laços rotos e sem cor? Saberemos equilibrar e tirar as mãos do que engatinha para caminhar sem nós? E jogar em pontes sobre precipícios todos os pequenos amores que pedem ar. Saberemos acordar do macio do colchão? E recusar a proteção e o calor e o sangue quente do ventre como se inúteis. Saberemos calar a ilusão e estourar o balão dos sonhos? E escolher a queda, a quebra e as muletas.
Conscientes de nossas asas ausentes, saberemos pular? E reconhecer quando as nuvens não bastarem para os nossos sonhos e nem os mares para nosso amor? E romper o metal quando a seda tensionar. E nos despedir das projeções quando o absoluto ainda doer? E não ter orgulho e entender que também passamos e que seremos outros para todos.
E quando não doer... saberemos não recordar, não chorar, não amputar? E aceitar a substitutividade. E nos quebrar quando formos demais. E tirar nosso próprio peso. E seguiremos nossos pés quando não houver para onde voltar? E quando a redenção se reduzir a páginas de memória, e a luta se reduzir à circularidade, e a felicidade à convenção, e a gratidão à tradição. E quando seu deus for uma tela pop, e sua guerra for um anúncio, e todo o sentimento acabar como enredo de cinema, saberemos não voltar? Saberemos calar o fim do pulso, o ausente ausente, o infinito findado? Saberemos ver que se esticar mais rompe, que se gritar mais emudece, que se apertar mais estoura, que se calar mais asfixia?
Quando tudo acabar, saberemos partir? Quando chegar a hora, saberemos não dormir por "mais cinco minutinhos"? E se, pelo contrário, tudo viver e nos chamar o nome, saberemos dizer não? E não matar o feto no ventre. E quando a primeira pá soar um baque na madeira, saberemos nós morrer?
Saberemos finalmente descansar em paz? Aqui, no fim de todas as coisas.

dimanche 10 août 2014

Faint

[took the chance of never looking back]


     When there's no
present existence
     One can only
     linger on
what could have been
     Living in the past
as an old autumnal lover
     Walking forever
     on dead leaves
and feeding forever
     on old smells
past colours and memories
     of his beloved flowers
from the Spring.

mercredi 6 août 2014

"It's no mistery..."


Entre homens nunca há vítimas.
Quem se alimenta, abocanhará.
A liberdade é uma utopia dos livres:
o anseio dos encarcerados é ser carcereiro.

-":"-

"Occupied Tears, from my solo record Harakiri, was written about this and the hypocrisy of a people who have gone through horrible atrocities of the Holocaust now serving as occupiers of another people."
Serj Tankian, 06,21th, 2014

dimanche 20 juillet 2014

...a minno



"Com quem estão minhas memórias?
Em que caixa guardaram minha estória?
Me devolva, se alguém perguntar de mim
Quero saber, de onde vim
Devolva, se alguém perguntar de mim
Quero saber, de onde vim."

{Si}monami. - Fantasma



Outro dia de amigos..
Para quem?

mercredi 16 juillet 2014

Sobre o belo

[32°2'6",52°5'56",11.07.14]
Tantas cabeças
Carecas
Despidas
de toda
a folhagem

Em cada escalpo
Falanges
Torcidas
quais bruxas
velhacas

Gotas de neve
poeira
escura
em raquíticos
fios

Pés de atrofia
Quais raízes
Mortas
inúteis
no lodo

vendredi 20 juin 2014

Life Shield

[Take Me Away, KatePowellArt]


O que quer que se chame vida cai para o banal quando nada faz diferenças. O tanto fazer, quanto maior, mais intangível o torna para as coisas do mundo. É só.
As coisas deixaram de ser: o raio de sol, seu grito, teu riso, meu desejo. Se pudesse nomeá-lo, esse estado seria o de imunidade. Imunidade à vida.

Sem consciência das correntes que se moviam pelo interior, nos lençóis freáticos de minh'alma, a indiferença tomou dimensões imensuráveis, e não notei o, a princípio, toque do ponto extremo, seguido do abraço e das algemas. Não o notei, até que houve sangue em minhas mãos, e rastros de cabelos cobrindo minhas pegadas, e ossos quebradiços lascando-se e me rompendo a pele. Naquele instante enxerguei, e desalienei-me, e vi claro tudo ao chão. Não imaginava o quanto tudo se pudesse tornar vão, o quanto o tédio poderia dominar uma existência, porque em mim havia apenas abandono. Até que, de um repente, havia eu mesma sido largada para trás.

Foi então que meu riso ficou fácil, e foi por isso que minhas lágrimas também. Porque desde aquele então meus olhos nunca mais miraram minhas próprias estruturas, e não viram a ferrugem, o mofo e a umidade a arruiná-la e desabá-la. Desde aquele então, calei o mundo e o fiz me esquecer, e me fiz evanescer, e em toda a minha ilusória realidade nem vislumbre dele restou.
Por último, murmurei um adeus e fechei os olhos ao espelho.

Naquele dia, tudo acabou com um murro e então cacos.

lundi 2 juin 2014

Where have I gone?

KatePowellArt,I tried to draw my soul but all I could think of was flowers

It's everything so clean, on the verge to emptiness. But just on the verge, because of the mirror. This great glass covering the walls.
Standing there. Facing. Staring. Its own face deep there, far on the other side. Drowned in the eyes it hurts.
Spirals can be seen. As dark waves and blurry scratches. Blurrier and blurrier until absolute invisibility falls - absolute blindness chasing senses. There nothing to drown in. Nothing but two shineless, pale globes. Dead.
Hoplessness keeps on reigning as deep sadness. Was there any space to madness, it'd lead to there. But there is not. Desperations fills the lacking hearts when facing this non lightened tunnels behind those eyes.
You know what people say about eyes: they're the windows to one's soul.



- Where's yours?

dimanche 18 mai 2014

Conto do Mundo

Nalunani - Three Lives Left
Antigamente existiu a calma. A Calma era serena, profunda e pesada, como um cristal que retém a maré bravia. E que existia acima de todas as coisas. Então veio o tempo do Grande Terror, e a Calma estremeceu. Um pequeno risco surgiu tilintando na superfície e o som profundo das ondas foi-se estrangulando, a água foi escorrendo, voraz, e a Calma a tal ponto abalou-se que abriu-se à Histeria.
O Tempo rolou longamente. Muitas eras ele abarcou. Muitos sois nasceram e partiram. Muitas luas vieram preencher sua falta. Até que o Espelho alcançou o rolar do Tempo e a Histeria se viu.
Jogou-se contra ele.
Dos fragmentos enrubescidos, a Consciência nasceu, e a Consciência parou o Tempo. Ela conteve cada nova erupção, que se foram fazendo esparsas e esparsas. E o Silêncio.
Como último sinal, sobrou uma pétala branca. Uma miséria, um resquício envergonhado de uma não vida qualquer.

Recentemente, existiu a calma. E a Calma era outra. CalMaria. Nova. Reluzente. Reluzente feita aço. E a Calma era discreta, sutil e leve, como a neblina pela manhã. Tão discreta que beirava a ausência. Tão sutil que beirava a imobilidade. A Calmaria foi-se fazendo Absoluto.
Calmaria foi esmaecendo, tão calma. Murchando como flor no outono. Foi-se desmembrando pelo sopro do vento que espalha a neblina, até fazer-se inexistência. Até assemelhar-se em tudo à Nada.
E Nada imperou.
E Nada é o Todo. É o Absoluto. É a Calma. É a Consciência. É o Tempo. É a Histeria. É o Silêncio.
Nada era o Mundo. E o Mundo... O Mundo é nada.

[19.abril.2013]

samedi 3 mai 2014

Quanto mais se cala tanto mais se diz
As vozes são resto a quem não restam palavras

Quanto mais confunde tanto mais se é
As certezas são a utopia dos incertos

Quanto mais se apaga quanto mais se vê
As clarezas são a caverna dos mal ilustrados

[Tristan and Isolde VIII, Slevin Aarion]
.
Quanto mais se abre tanto mais se pertence

As cadeias são a desvirtude dos despossuídos
.

vendredi 18 avril 2014

The smaller the minds, the smaller the world

Sem metáforas ou entrelinhas.
As mãos falharam em girar as cartas, em dobrar os lenços, em brotar as flores.
E sucedeu-se, então, o desenrolar de um universo que é como o quintal da avó, em um tempo que é sempre fim de tarde, em que a chuva é sempre quente e os amores são sempre adolescentes. Na etiqueta avisam "frágil ao lavar, 100% sensibilidade", e todas as histórias, e todos os passos, e todas as palavras, se resumem em uma: amor. Os vidros dessa janela se chamam coração, e é tudo o que sai dessas novas mãos, antigamente desajeitadas, e dessa boca, e dessa cabeça. E todo homem é pleno, é fogo, é ferida e orgulho, é força e medo, é tristeza e desejo. Aqui não há moralismos, convenções, nem espaço para o julgamento. Aqui há humanos, fracos na sua incerteza, falhos em seus medos, firmes em seu amor. Aqui é tudo amor: das guerras aos filhos às paredes descascadas ao galos de briga às liteiras à peste ao dinheiro à miséria ao jornal à cartas a cada suspiro dos reis aos escravos.
Salve.
De um em um, os Humanos se vão extinguindo.
Dali envia as Formigas.
E, enquanto isso, nesse universo todos sonhamos Remédios, e aguardamos serena e intensamente, tanto aos 90 como quando aos 20

, o tempo de voar desta terra dura, para um navio interplanetário de onde possamos ver o pôr-do-sol e ter a certeza de que não foi vão.

[Memórias de Minhas Putas Tristes, G.G.Marquez]



[Gabo]


mardi 8 avril 2014

Sorceress

[The Eclipse, Liza Corbett]

Ela traz os olhos injetados
Inchadas veias de uma embriaguez qualquer
Ela traz a pele esfolada
E passos mancos sem destino algum
Ela come os sonhos que ninguém mais quer
Ela bebe a dor dentro de cada um.

Ela traz os braços tão atados
Que, à mostra garras de outras perversões,
Ela delira pulsos decepados
E dedos inúteis que fingem dançar
Ela dorme o medo sob os seus colchões
Ela, então, cala o choro e morre de sangrar.



[08.Abril.2014]

jeudi 3 avril 2014

Versos Encarcerados


Aproveitando a deixa, deixo Alex Polari.

"Um sentido totalmente diferente de existir
se descobre ali,
naquela sala.
Um sentido totalmente diferente de morrer
se morre ali,
naquela vala.

Eles queimaram nossa carne com os fios
e ligaram nosso destino à mesma eletricidade.
Igualmente vimos nossos rostos invertidos
e eu testemunhei quando levaram teu corpo
envolto em um tapete.

Então houve o percurso sem volta
houve a chuva que não molhou
a noite que não era escura
o tempo que não era tempo
o amor que não era mais amor
a coisa que não era mais coisa nenhuma.

Entregue a perplexidades como estas,
meus cabelos foram se embranquecendo
e os dias foram se passando."
[Canção para Paulo, a Stuart Angel]



"Depois a situação foi melhorando
e foi possível até sofrer
ter angústia, ler
amar, ter ciúmes
e todas essas outras bobagens amenas
que aí fora reputamos
como experiências cruciais."
[Os Primeiros Tempos de Tortura]


[Alguns versos a mais:





lundi 24 mars 2014

Inocências

Quando jovem, perguntava
'A que é que serve a vida?'
De que é que adiantava,
Se a gente sempre morria?

Em que é que compensava
Findar tudo em despedidas?
Convencido como estava,
Fez disto filosofia.

Antes quem não se arriscava
A viver feito de partidas
E evitava tanto vão.

Antes quem se resguardava
De uma vida dolorida
E não enchia o coração.


fev.2014

dimanche 9 mars 2014

Só Perguntas

"Tão habitual é rir-se a gente e logo a seguir ter vontade de chorar ou dar um berro de raiva que se ouvisse no céu, [...]. Um berro que se ouvisse em todo o giro da Terra, a ver se nos escutavam homens e a nós vinham, mas talvez não nos ouça por também gritarem eles."

[Saramago, Levantado do Chão, p.274]

[Blindness - 2014
Ideia saída de uma das cenas de Ensaio Sobre A Cegueira,
adaptado de Saramago por Fernando Meireles]



Olhando pela janela, você não acha que o mundo é muito bonito para ser tão feio?

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Então o mundo é só isso?

Mesmo?

Ele não parece pequeno demais? Não existe nada por trás das coisas? Então nunca parou para pensar onde é "atrás" e o que são as "coisas"? Nunca parou para pensar se há algo além do que se vê? Para você, tudo é assim tão preciso? Sempre?
Como pode acreditar que tudo - com seus deuses, seus pais, seus amantes e mestres -, que é tudo tão completo? Acha concebível que tudo tão fácil? Tão fútil? Mas você sabe, não sabe?, que para dançar não basta ouvir a música? Ou ao menos já se perguntou quem toca? E por que toca? E por que essa melodia e não outra? Os outros todos a ouvem? Desça mais: quem são os outros? Nunca se perguntou se poderia ser outra a canção? Ou outras?

Olhando ao seu redor, alguma vez se perguntou sobre os rostos? Parou para estudá-los? Observou se os risos são sempre felizes? E os choros, são mesmo tristes? Nunca teve vontade de sorrir vendo um par de olhos vermelhos? Despedaçar um risinho com os dedos? E gritar? E calar? E correr? Alguma vez olhou para o chão e duvidou de que esses andantes têm realmente aonde ir? Nunca quis saber se o ser acaba nessa casca fina, lógica e plástica? Por quê... Como consegue acreditar em uma obviedade tão extrema? Medo, raiva, desespero são assim previsíveis? Ensaiados e enlatados? Então em que diferem do seu almoço? 

Se pedir para se sentar, você senta? E se fizer perguntas, responde? Então, para começar, você não é capaz de ver os vultos chacoalhando ao seu redor? E os tremores em cada canto? Não consegue enxergar olhos brilhando em casa esquina? Não o assustou, nem uma única vez, o sangue entre as pedras do calçamento onde passeia a caminho dos seus palácios? Ou só vê o palácio? E esse pus grosso, esse odor dos humores que saem pelas torneiras, não te incomodam? Por acaso o veneno que te queima quando chove é doce?

Ou será que já está assim tão morto?

Por quê? Como? Pode dizer uma única palavra? Como não o toca esse mundo que desmorona? Como sustenta a vida quando tudo desaba? Posso olhar em teus olhos? Posso apertar sua cabeça entre as minhas mãos para tentar vislumbrar o que ela guarda? Por que as nuvens derramam estiletes sobre sua cabeça e ainda assim, ainda assim!, não se move?! Não vê o quanto se mente? Não vê como as virtudes servem impecavelmente à sua função de ofuscar os homens? E não se fere se as vê? Não vomita? Não desvia? Não tenta?

Então me ensina.

Como olhar sem ver apenas os traços borrados e as costuras mal feitas? Como acreditar no equilíbrio que se alarda? Como acreditar que essas dores doem de fato e que esses olhos fechados sorriem?
Como não estar tão só? E deixar de ver buracos atrás de olhos? E monstros atrás de abraços? E parar a náusea com a saliva onde se banham suas palavras? Como não ver o quanto estamos sujos? Como não ? E que não existe pureza entre os homens ou onde tocaram? Como ignorar que cada fato é uma unidade ilusória a encobrir retalhos? Como não perceber que cada uma das milhares de pangeias ostentadas com brilhos, luzes e notas são arquipélagos que definham sem construtores de pontes, com pontes ausentes que se disfarça retraindo lábios naquilo que aprendemos a chamar de sorriso? Como não ver que, a despeito de tanto ensaio, tudo é apenas uma mentira - suja, amarela, e cheia de cáries?


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Olhando pela janela, você não acha que o mundo é muito feio para ser tão bonito?

samedi 22 février 2014

91



- Sabe aquele Patrulheiro? Pois é. Eu gostaria de ver o brilho nos olhos dele quando eu o contasse que cresci tanto que já sirvo em minhas calças. Algumas delas são mesmo maiores do que eu. Eu gostaria de vê-lo sorrir ao constatar o longo tempo desde que remendei minhas roupas pela última vez. Olha pra mim, meu bem. Ele me levou a cor dos cabelos com tanta força que foram todos vãos os litros de tinta que gastei nele. E sobre as explosões... Oh, minha querida, não seja tola. Eu já nem sei o que é sentir calor. Faz frio há tanto, tanto tempo...

E, com os dedos frágeis mergulhados naquela cabeleira loura e macia, a velha perdeu o olhar em qualquer objeto longínquo que apenas ela via. E balançava-se de um lado para o outro, embalando a si mesma com um cuidado materno que já não lhe havia.

- Eu nunca gostava de pensar no futuro, porque, sempre que me perguntavam, eu não enxergava senão um breu. E desde muito antes dos meus 19. Hoje eu desconfio de que o Patrulheiro chegou pra mim mais cedo, e que muito de mim já estava morto antes de eu começar a nascer. É muito triste ser aborto, minha filha... - e deu uma risada arranhada - ah.. não se preocupe, nem sabe o que é isso, não é? Eu até dançava, sabia? Eu corria em volta dos móveis pela casa... Mas hoje... Hoje, nem você, filha. Eu bem queria subir nas árvores com você, mas não é que não possa, apenas não sou mais essa. A gente não tem poder de decisão, sabe. Eles tiram de você e você apenas se vira. Resistindo ou não, aprende. Dizem que isso é crescer, mas acho que a gente só cresce até os 19.

- Não, Vó. Você cresceu até 91. Um dia eu vou ter 91 anos. Eu vou ser beeem velhinha, e vou ficar linda que nem você. - Fez a menina, ajoelhada em seu colo, apertando as bochechas da mulher, que sorriu com tristeza, olhando para aqueles olhos azuis.

- Querida, não diga isso. Que bobagem! Depois dos 19, cada dia é só mais uma morte... Deixe-me olhar para você. Ah... Você só sabe sorrir, não é? Haha. - E apertou-a no peito. - Será que meus olhos eram brilhantes assim? Não sei mais. Quando penso no que via no espelho, pareço ver alguém que não existiu nesse mundo, apenas em um outro espaço, em um tempo tão distante que não sei se é passado ou futuro. É tudo uma roda, de qualquer jeito. Frente, trás, mais do mesmo sempre. Você nem vê, meu amor, vê? Claro que não. Dessa altura, tudo deve ficar tão pequenininho!

- Ai, vó! - disse a menina revirando os olhos. - Mas eu sou pequena, olha. - E colocou sua mão na da velha.

- Olha que mão grande, menina. Até cabe meu rosto nela! E você não precisa de mais do que isso, ora. Nela cabem suas bonecas, os pintinhos do terreiro, o rosto da sua mãe e.. olha, estica bem os braços para a janela. Viu, querida? Até o sol cabe nelas! Eu queria ser grande que nem você, meu amor. Mas foram mais fortes do que eu... Ah, ele tem mãos tão fortes. Eu não sei porque ele mesmo continua crescendo... Acho que ele não tem idade, deve ser algo assim.

- O Patrulheiro, vó?

- É, o Patrulheiro, mocinha.

- Mas então eu vou atrás dele e ele vai ter que pedir desculpas para você!

- Como, minha filha? Vai voando? Ninguém sabe onde ele está... Depois que perdi minha Torre, percebi que tentar buscá-lo é o maior erro. Não gaste suas asas, meu bem, fique aqui quietinha guardando sua Torre e ele não vai incomodá-la. Ele não gosta de ser encontrado, porque ele não gosta de estar vulnerável. O Patrulheiro está sempre um instante à sua frente. Você vai encontrar as marcas de seus pés, o resto de seu jantar, as brasas de seu acampamento, mas nunca vai alcançá-lo.

- Ele é um bobo. Se ele acampa, é porque não tem casa. Deve ser um preguiçoso!

- Não, meu amor... Ele se alimenta é da nossa coragem. Quanto mais alto se voa, mais as asas sangram. ... Menina, menina... Há tanto tempo eu fiquei pequena. Eu daria tudo para voar mais uma vez. Para brincar de borboleta entre as roseiras do jardim. Mas o tempo já...

A menina tirou as mãos molhadas do resto da avó. Salgadas. E o silêncio estendeu-se.
Uma janela bateu, as cortinas verdes farfalharam enquanto a poeira da estante pairava no ar em um raio de sol que estava coberto há dias...

- Vó..?
- ...
- Não fica triste... Eu acho... que seu cabelo parece nuvem! Um dia eu quero um cabelo assim também. - Ela disse esticando os bracinhos e pondo-se na ponta de um pé, equilibrando-se com o outro para tentar alcançar os fios ralos do coque da velha, que abaixou a cabeça e a olhou com amor por cima dos óculos.

- Por quanto tempo vai continuar assim tão doce? Por quanto tempo ainda buscará as nuvens, hein? Por quanto tempo ainda será tão fácil tocá-las?

Então tomou-a pela cintura, com dificuldade, e a fez sentar-se no chão de novo. Buscou um terço de contas amarelas no braço da cadeira e saiu arrastando os chinelos.

- Onde... ?

- Fique aí, querida. - disse esfregando ligeiramente a ponta dos dedos no topo da cabeça dela.

- Vó, você não gosta de rezar!

- Só hoje, meu bem. É só um instante.

- Mas para quê esse terço?

- Para você, minha filha. E pro Patrulheiro. - Para que ele encontre satisfação em outras dores, e deixe suas asas onde estão, querida Alice. 




Que um dia, chegando aos 91, possa ser você a sorrir para o Patrulheiro. Bem vinda à próxima Primavera, Alice. Ou, para os leigos, Feliz Aniversário.

 - O que nós dizemos para o Patrulheiro? Hoje, não! -
:)

samedi 15 février 2014

Partida

Aprende.
Só se parte uma vez.
As paredes, cores e texturas são as mesmas, e, sozinha, no escuro silencioso da madrugada, me abrigo em meus lençóis. Por um momento, a janela e a porta vermelha me são tangíveis, mas é tudo outro. Eu não vivo grandes coisas, mas são as pequenas que contêm as respostas.
Eu poderia me escrever da lua ao pôr-do-sol, e ainda assim não se saberia. Ninguém mais é capaz de dizer-me. Nem de tentar.
Nem minhas paredes e lençóis. O sangue do meu sangue.
Nos iguais incompreendido, talvez, harmonize em um porvir qualquer. Só não mais o mesmo.
Não chore, não me olhe assim, não diz nada. Não estou partindo de novo. Na verdade, eu nunca voltei realmente.

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vendredi 31 janvier 2014

Paixão


Na fremente solidão
A imprudente pretensão
Mancha as lentes da razão

E somente na explosão
Tão doente de ilusão
Torna à mente a direção.




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Nota: Como passei meu e-mail para o gmail e não conectei o Blogger ao Google +, não estou conseguindo postar/responder comentários. Fazer essa conexão impedirá novos comentários pelos perfis do Blogger, aceitando apenas os do Google +, então ainda não sei o que fazer. Logo decidirei.

jeudi 16 janvier 2014

Bombeiros

[Across The Ravaged Land, Nick Brandt]
A banalidade sufoca o ímpeto do fogo e a leviandade dele debocha. E não é a importância o que segue o esvaziamento, é a languidez. Moribundos olhos piscam e giram, o corpo escorre como se o dia se fizesse de sestas e de eternos meio-dias.
Constrange.
Contrai.
Distrai.
O qualquer faz-se aceitável e a mudança não notável. O fogo se alastra e, apesar do incêndio, repousa. O sono faz-se denso e real e concreto se o que falta não são energias para serem teísmos e serem disposições. Banha-se em morosidade que lança garras traiçoeiras por todo lado até se vislumbrarem trevas somente.
Labirinto. És Teseu. És Ariadne. Tens o fio e conheces a luz. Contudo, não saltes se o teto tateias. Não mergulhes se tens terra nos calcanhares. O fogo lança sombras e calor em quaisquer direções. Acerta. Cala.
Então és tu o pior dos pretensos, não tentes persuadir com luz olhos que o sol queimou. Pedras e terra fazem trilhos semelhantes para lugares que jamais se vêem. A desculpa é a incerteza. Não enterre o gato sem abrir a caixa.
Não incendeio.

mercredi 8 janvier 2014

Bereavement

O primeiro verão.


De repente faltou no mundo alguma coisa que eu não sei.

E todo o medo pareceu pequeno, toda a esperança pareceu banal, todo sonho pereceu vão. Porque o sol brilhava esquisito, e o mundo já não era completo.



D.D.C

[Rua Cora Coralina, Unicamp]