dimanche 1 avril 2012

As Ditas Puras


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As ditaduras começam dentro de casa, da escola, dos grupos de amigos, das empresas. As rádios dizendo o que ouvir, os pais dizendo em que acreditar, os professores dizendo como agir, os chefes dizendo aonde se aliar. As relações pessoais tornaram-se pequenos contratos. Ligar-se a alguém deixa subentendido que você adequará alguma opinião, hábito ou preferência.
E que não digam que os pais só querem o melhor, os professores tentam ensinar “o mundo lá fora”, os amigos só aconselham, enfim. A verdade é que cada pessoa tenta se projetar no próximo, tenta conquistar no próximo o que não conquistou em si, tenta ser aceita ao fazer o outro acreditar. Não é pior do que a tevê, e olha que ela é vilã. As empresas e governos não abandonaram os hábitos das ditaduras de usar dos meios de comunicação para “propagandearem” a si mesmos e maquiarem suas feridas. Ao contrário, fazem-no com muito maior intensidade ao carregar a bandeira a livre expressão e da verdade, e dispensam das pessoas o trabalho de procurar melhor. Sim, porque a verdade está à solta, em algum lugar – eis a grande diferença entre os dias de hoje e os dias de repressão. Mas quando se vê tanta informação junta em um discurso tão bonito sabendo que “nesse mundo a comunicação é livre”, quem é que vai duvidar?
Nascem preconceitos mesquinhos, não os de cor ou classe. As pessoas são classificadas e usam de estereótipos para parecerem melhores: é o preconceito em relação ao conhecimento, às preferências, às crenças, à vestimenta ou ao modo de falar. Uma fala inteligente e qualquer aspecto pessoal pode ser rebaixado como ignorante ou fútil – palavras cada vez mais usadas para se sobrepor e definir o que é realmente original e de qualidade.
Entendem o ponto? Vive-se o falso liberalismo. As pessoas são discriminadas por suas escolhas. As correntes que calam não são físicas, basta usar um tom debochado e qualquer um perde a credibilidade, violentado naquilo que acredita. E as crianças já nascem nesse meio, sendo doutrinadas e ensinadas para o certo. Doutrinadas para o que falar, o que fazer, o que vestir. Doutrinadas para serem o que seus adultos são. Como chamá-las ditaduras do bem? Doutrinas. Censuras. Propaganda. Violência. Não... A diferença não é tão grande assim.

"None are more hopelessly enslaved than those who falsely believe that they are free..."

2 commentaires:

  1. Bom texto Marô, analítico e coerente.

    Somos ávidos colonizadores do próximo. Invadimos países vizinhos sem muita cerimônia, grande parte das nossas relações são recheadas de imperativos. Observe que você utilizou pais, professores e políticos, todos estes cumprem algum papel de poder e por isso acabam sendo "normatizadores" em sua função social.

    A "liberdade" é antes de tudo uma grande romantização "racionalista". Somos sapiens-sapiens, caçamos em grupo nesse pálido ponto azul e vivemos a ditadura do "coletivo".

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  2. A "Ditadura do Bem" mesmo que não seja 'do mal' ainda é uma ditadura e as 'lavagens cerebrais' acontecem dia após dia. Mas, isso tem o seu lado positivo (como tudo, aliás).
    Nossa convivência faz com que sejamos um pouco do outro que está junto a nós. Isso é uma troca de hábitos, conhecimentos... Cabe a nós "filtrar" as coisas. Não sendo hipócrita o bastante para querer a 'parte boa' do próximo, pois isso é egoísmo. Poderemos almejar algo bom de alguém se, e somente se, estivermos em condições de retribuir.

    Bom texto. Literatura forte.

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