vendredi 19 septembre 2014

Sentença

As Parcas


"- Queres saber duma coisa? Quando eu dava balanço em minha própria vida, levando em conta apenas uma parte da realidade, chegava às conclusões mais pessimistas... Quem sou eu? Um saco de fezes. Uma bostica de mosca no Cosmos. Que é o tempinho da minha vida comparado com a Eternidade? Agora, eu te pergunto: qual é a conclusão a que se chega ao cabo de um raciocínio como esse? É a de que estamos encurralados, num beco sem saída. O remédio é cruzarmos os braços abjetamente ou meter uma bala na cabeça.
[...] Um dia, pensei seriamente no suicídio. E sabes o que aconteceu? Quando compreendi que estava ao meu alcance acabar com tudo, passei a ter mais respeito pela vida. A idéia da morte, menino, dá à existência mais realidade, mais solidez. Minha vida daí por diante ganha como que uma quarta dimensão.
Eu estava numa encruzilhada terrível, nesses namoricos com a morte (no fundo eu sabia que não sairia casamento)... Sim, concluí eu ao cabo de sérias leituras e cogitações, posso ser uma grande porcaria e a Big Cadela me espreita, pronta para saltar sobre mim a qualquer instante... Mas acontece (e isso deixa os psicólogos loucos da vida) que há um abismo entre as coisas que são abstratamente verdadeiras e as coisas que são existencialmente reais. Ora, acontece que, queira ou não queira, eu existo nessa hora e neste lugar. Que fazer então com a minha vida? Por que não opor à minha insignificância na ordem universal, à minha mortalidade, à minha imponência diante do Desconhecido, uma espécie de... atitude arrogante... erguer meu penacho, lançar um desafio meio desesperado a isso que convencionamos chamar Destino? A vida não tem sentido, mas vamos fazer de conta que tem. E daí? Bem, aí eu transformo minha necessidade em fonte de libertação e passo a ser, eu mesmo, a minha existência, a minha verdade e a minha liberdade.
- Mas essa idéia de que somos livres e únicos responsáveis por nossa vida e destino não será uma fonte permanente de angústia?
- Claro que é.
- E não é a angústia o nosso grande problema?
- Homem, há um tipo de angústia do qual jamais nos livraremos, porque ele é inerente à nossa existência. É o preço que pagamos por nos darmos o luxo caríssimo de ter uma consciência, por sabermos que vamos morrer, e por termos um futuro. Assim sendo, o maus sábio é a gente habituar-se a uma existência pacífica com esse tipo de ansiedade existencial, fazendo o possível para que ele não tome nunca um caráter neurótico.
- E tu achas que essa atitude é uma solução? [...]
- Que solução? Não há solução. Como disse um desses bunda-merdas europeus, estamos condenados a ser heróis."

Tio Bicho e Floriano. VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento, vol. III O Arquipélago, p.396-7.

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