lundi 25 septembre 2017

Sobre a Deriva

Carta n + 1



Boa noite, querido,

não, não feche já. Serei breve. Eu prometo.
Sabe que já são raras as minhas visitas. Ainda assim, eu sempre volto - ou seja talvez você quem volte. Eu tenho estado cada vez mais distante deste porto que éramos. Que eu era. E, desta feita, vai ficando também mais difícil retornar para descansar as pernas. O mar é lindo, querido, mas não é meu lar. Ainda. Ou talvez não o seja nunca. Não sei. O mar é lindo, mas não serve de abrigo aos que só sabem naufragar e, mesmo quando à deriva, não posso deixar de sentir o fogo do sol me consumindo a garganta. Essa lembrança não me deixa. Esse gosto de morte.
Não, não se inquiete. Malgrado os naufrágios, eu volto. Sei que essa terra não é mais meu lar do que o mar, é apenas que vê-lo me salva de me afogar, me ajuda a respirar. Você também sente? Esse fio invisível, essa corrente etérea a nos unir, a se esticar e retorcer, mas incapaz de se romper? Ainda que nossos pés não se calcem, tua sombra me subjaz, teu ser, que sou eu tão fundamentalmente. E a terra que me salva é a mesma que me prende, e eu não sei nadar longe, essas outras ilhas não são minhas - e as minhas têm tubarões.
Não, não, está tudo... quer dizer, são somente tubarões. Não são grande coisa. Aqui, já com os pés na água, vejo-me a sombra a alongar-se até o infinito, traçando seu percurso solitário por sobre as pedras e a terra. Não é mesmo o melhor dos lugares, mas, sempre que o canto das sereias canta em minha cabeça, dizendo-me que parta de uma vez por todas, eu fecho os olhos, e o mero som das outras ilhas - e são tantas! - me faz enrijecer. Eu sou tão incompleta ali. E sempre. E percebo que essas beiradas sombreadas e cheias de aranhas são o mais próximo de um lar que jamais encontrarei. Acho que você estava certo: nós nunca estamos preparados.
Despencaram-me no mar, e o mar é lindo, querido. Você não poderia sequer imaginar quantas são as cores, e as danças dos peixes, e o cheiro das ondas. Mas não fui munida de barbatanas ou caudas. Tampouco de sangue frio. Não me deram forças para tantos naufrágios. Deram-me apenas um porto que não me responde mais.
...
Sim, eu sei.
Eu bem queria não mais naufragar. Mas não é para mim omar.

Obrigada pelo seu tempo, querido. Sabe, eu gosto de imaginar seu silêncio quandos meus tubarões me chamam...
Não, não se esconda. Não vou te abraçar. Guardarei os braços para o mar.



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