lundi 4 septembre 2017

Em Primeira Pessoa


"O tempo passado embaralha meu tempo presente.
Preciso encontrar meu tempo futuro."


Self-Portrait ; 02.09.2017
"There is no time, there is no face, there is no me
I'm following a shadow while I'm reaching for the sun" (Stranger ♪ Anna von Hausswolff)
 ***
Aniversários.
Eu tenho esse longo histórico de desagrado com eles, cujo início não posso bem precisar, e essa desaprovação já passou por várias fases. Já os repudiei por filosofias (ah, o niilismo. ah, o Absurdo!), por desgosto, por psicologismos, por desânimo, por lógica, por desesperança, por clima (ah, o sol, ah, a primavera!), por ideologia, e por um sem conta de outros "des-".
"My heart is sad and ugly
Am I boring you?
Am I scaring you?"
Cada desses motivos, fique dito, não anula a verdade dos outros. São acréscimos. Cada deles tombando suavemente sobre o camelo - um camelo que se recusa a tombar e, ainda assim, não mais pode suportar as penas.
"And as I look upon your face I see it in your eyes:
You're not longer part of this"
Esses (des)aniversarios nunca passaram despercebidos por aqui, apresentando-se sob as mais diversas fantasias. E assim seria. E assim é. Mas autrement. Porque eu escrevi muitas coisas sobre tudo, e eu poderia pegar qualquer delas de olhos fechados e vomitá-la aqui. No entanto, mais uma vez, de repente, tudo ficou tão vão e sem propósito que... por quê?
"This world is closing in, and while I don't feel a thing"*
E eu, assim, de súbito, peguei-me pensando na arte, no que é a arte, nas formas de se ver a arte, nas formas de avaliar a arte. Parte obrigatória da trilha sonora da minha existência, Anna von Hausswolff vêm cantando em looping nos meus ouvidos nas ultimas semanas.
"Celebrating life alone"
, ela começa, e enquanto ela prossegue para
"the graveyard is my home"
, eu decido que, quando o melhor texto já escrito sobre aniversários fosse escrito, ele sem dúvidas começaria com essa canção. Há cerca de um mês, falávamos eu e um amigo sobre fantasias e projeções de morte. A ideia é atraente, eu dizia, a 'morte' se parece com um lugar de paz. E de segurança. E de fôlego. Nesse momento, Anna canta de novo em minha cabeça, e
"she is running and she can't stop"
fica ecoando, sem cessar, até o climático
"death should not be a fear.
So save me"
, e é como um gole de chá fervente no inverno: desconfortável, dolorido, e acolhedor. E eu sempre me pergunto, ouvindo esses versos, se a personagem que canta pede que a salvem com a morte. Não posso saber ao certo, mas gosto de entender que sim. Sim. E se sim, indago, como pode em outro estar a minha voz? Quem os permitiu me comporem assim? E o quão simplista e pobre é isso, de basear-me apenas na identificação ao falar de arte? Eu gosto sinceramente de acreditar que muitos aspectos da arte podem ser observados de forma objetiva, mas, particularmente, eu não sei evitar que cada livro, cada curta, cada sinfonia sejam, inescapavelmente, sobre mim. Sobre a minha história que ajudam a contar.
"Seeing through a crack of life, did you get it alright?"
Há poucos dias, em um debate sobre o suicídio, o "palestrante", Carlos Cais, comenta "quem diz que nunca pensou sobre a morte, ou está mentindo ou é idiota". E ele o diz logo após uma menção a Camus, n'O Mito de Sísifo, e sua defesa do suicídio como "o único problema verdadeiramente filosófico", afinal, a questão mais importante de todas é "para quê vivemos?". De fato, a ninguém apetece muito verbalizar "pensamentos ruins", ninguém sabe como reagir aos que o fazem. Pedirei que atirem pedras, então, porque meus olhos vêem a morte em todo lugar
"this state of chaos suits you" *
, e porque cada olhadela ao relógio me mostra não ponteiros e números -
"Faster I am now growing old"
-, mas o fio de uma guilhotina que ficou segundos, minutos, dias mais próximo. E que, no entanto, por vezes parece tão longe, mas tanto, que não sei se restará fôlego para esperá-lo.
Pelo sim, pelo não, digo à Anna que continue. E ela continua:
"I sleep away the horrors of the night
And when I wake
I realize it's all there"

Nesse passo, chego ao cinema - um pequeno ensaio de celebração -, a uma trilha sonora que me pôs um balão no peito, e a Charles Aznavour. E, num repente, depois de semanas cantando mentalmente Funeral for my Future Children na hora de assoprar as velas, eu percebi ser ele quem eu queria. Ele, que faz muito mais jus aos meus duzentos e tantos anos do que a jovem Anna, desses tempos contemporâneos. Era uma cena qualquer quando eu comecei a ouvir
"Hier encore j'avais vingt ans
Je gaspillais le temps en croyant l'arrêter"
e também
"Car mes amours sont mortes avant que d'exister
Mes amis sont partis et ne reviendront pas
Par ma faute j'ai fait le vide autour de moi".
O filme acabou e eu continuei na sala. Abraçada pela cadeira, digerindo, não o filme, mas aqueles versos. A cada cena, eu apenas esperava mais um trechinho da música pra conversar comigo.
"Ou sont-ils à present, à present mes vingts ans?"
Mas isso ela não quis me dizer. Sei apenas que, em frações de instantes, o filme era eu. O que me leva de volta a todo aquele questionamento sobre a arte, e sobre haver um jeito certo ou um jeito errado de experenciá-la. Por que eu gosto assim. Eu gosto de odiar aqueles que me tomaram as palavras, que disseram tão exatamente o que eu deveria ter dito - ou o que eu ao menos gostaria. Eu gosto de ver minhas fissuras nas fissuras de outros
"what if we lose, what if they know we're too weak?" *
e de compadecer-me por eles o que não padeço por mim. Eu gosto de remendá-las, e de vê-las cicatrizando frame a frame, verso a verso, nota a nota.
"He said "Come wander with me, love"
Come wander with me
Away from this sad world"
Eu gosto de pensar que são, e, naquele intervalo, a inércia não dói, contrariando as observações da Morte, de Zusak, de que
"Os empobrecidos sempre tentam continuar andando, como se a relocação ajudasse. Desconhecem a realidade de que uma nova versão do mesmo velho problema estará à sua espera no fim da viagem — aquele parente que a gente evita beijar"
. Nós sabemos, Morte, que o mesmo abismo nos encontra ao fim de todas as trilhas, e que ficar não impede que as coisas acabem, como partir não impede que prossigam. Mas é como estar em alto-mar, entende? Se pararmos, por um segundo que seja, se hesitarmos por um nadinha de tempo, afundamos. E não queremos que doa.
"The pain turn to rain
Ain't calming down
Will it calm down?"

Quando a noite caiu, assoprei as velas, como manda a tradição. O bolo tinha gosto de cinzas. Não, não era culpa das velas: é só que aniversários costumam ter gosto de morte.
"But, you can't seem to find time
And you loose it all the time
You can't keep tracking your time
You loose it. All the time
You loose it all the time
You loose it all the time, the track of time."

***

Eu recomendaria fortemente que ouvissem algo da Anna von Hauswwolff, do Diablo Swing Orchestra (marcadas com *) - país de origem é mera coincidência -, e do Azanvour, é claro. Escolhi duas canções (apenas por não ter sido capaz de escolher dentre elas) que parecem parfaites.
 
"J'ai fait tant de projets qui sont restés en l'air
J'ai fondé tant d'espoirs qui se sont envolés
Que je reste perdu ne sachant où aller
Les yeux cherchant le ciel mais le coeur mis en terre"

 
"A dream is pulling out my heart and spirit
And I'm scared to fall, I'm scared of death
And I am scared of all the lies
But then you tell me I shouldn't worry
You tell me to stay strong
You tell me I shouldn't worry"

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