lundi 6 décembre 2010

Contraste

Ela estava sentada a um canto da parede, e estremecia com a brisa gelada; o cheiro da chuva lhe agradava e aquele ruído a confortava. O som das gotas maiores caindo do telhado em pequenas poças a fazia vigilante, acentuando a sensação constante de passos e uma presença oculta. Fechou o livro que tinha nas mãos, tirou um pequeno papel do bolso e começou a dobrá-lo aleatoriamente, apenas para manter suas mãos ocupadas enquanto observava ao redor com o canto dos olhos, pois que sua mente já não se concentrava na leitura.
Por vezes parava, certa de que ouvira algo e de que, desta vez, havia alguém chegando. Tomava coragem e levantava a cabeça, mas novamente era apenas impressão sua. Então voltava à sua calma habitual. Ela se acostumara àquele lugar, onde jamais a incomodavam, mas hoje ela aproveitaria cada segundo e não perderia a queda de uma gota sequer. A chuva era um espetáculo diferente para fazê-la sair da rotina e levantar os olhos das páginas mortas que sempre carregava consigo e dirigí-los a algo vivo e imprevisível. E fazer isto transmitia a ela um sentimento de paz que não podia explicar. Só sabia que gostava daquilo, pois levava-a a pensar em outras coisas que não a sua solidão diária.
De novo ouviu ruídos, agora mais fortes, teve certeza de que havia algo a rondá-la, alguém apareceria desta vez. Hesitou um pouco, o olhar voltado para baixo, com medo do que poderia ser e... E riu de si mesma com um suspiro. Tolinha, não há ninguém para aparecer! Apesar de seus temores e paranóias, ela sabia que não havia vivalma ali, eram apenas temores e paranóias...
Levantou-se, voltou o papel no bolso e acomodou o livro num canto protegido da chuva. Tirou o tênis, apesar do frio, e foi caminhar. A água gelada era desconfortável no começo, mas ela começou a se sentir livre, livre de si mesma. Esticou os braços e fechou os olhos, quando sentiu que não poderia se sentir melhor abriu-os de novo. Só teve tempo para divisar algo pontiagudo vindo em sua direção: rápido demais para ela se esquivar; devagar o bastante para que pudesse percebê-lo.
O sangue espirrou pela sua face, assustando-a. Seu peito ardeu e ela lançou um olhar angustiado para trás, tentando voltar, mas já não podia ver com nitidez. Ela, que nunca se acreditara feliz até então... Ela, que nunca se sentiria livre de novo. De que adiantou tanta exaltação senão para agravar todo o frio e o vazio que vieram depois? De que servia a alegria, se não para mais tarde a torturar com sua lembrança e fazê-la se sentir no profundo de um abismo ainda maior?
..........................................
Doce alegria... assassina da esperança.
- For you, Flávia. ;)
http://rsflavia.blogspot.com

4 commentaires:

  1. Ler isso foi a mesma coisa que mergulhar no profundo e deixar que as águas te envolva e te mostre a magia do imaginário...

    Inebriante...

    RépondreSupprimer
  2. Gostei do final trágico. rs... Não é comum isso nos seus textos, acho que você leva jeito pra contos. Esse seu texto me lembrou de duas coisas. Primeiro me lembrei dos textos da Angélica, bem descritivos, melancólicos e tristes, mas quando você começou a descrever a chuva, as gotas caindo, me lembrou da sensação de liberdade, força e vigor que a chuva tras ao anjo Thal no livro O Senhor da Chuva. A chuva é um fenômeno magnífico e perfeito, é como se cada gota que caísse levasse embora um pouco da sua tristeza, solidão, é como se realmente lavasse a sua alma. Bastante interessante isso que o texto passa. ^^

    RépondreSupprimer
  3. Desculpe a demora para comentar.
    Eu achei genial como de costume.
    Um final excepcional. Não se tem comparação de bom se não for feliz antes, e não tendo comparação de bom, não existe angústia depois, tristeza por algo que nunca se teve.

    RépondreSupprimer