jeudi 2 septembre 2010

Inevitável


♪ "And here I am now, taking the pieces of light... In my soul so dark, silent screams of pain... " ♫

         Não adianta negar, você sempre diz que não se importa, mas é inevitável. Você sempre espera algo. E à meia noite o seu coração bate mais forte. O que vai acontecer? É claro que você sabe que será o mesmo de sempre, mas é involuntário... Então você acorda diferente, olha para as pessoas de modo diferente - e tem a estúpida impressão de que os olhos delas estão diferentes também. Você morde os lábios, e caminha olhando para os lados, pensando em quem virá primeiro. Depois de um tempo você vê que é apenas mais um dia como qualquer outro, e que poucos notarão como você está mais leve hoje. Mas há sempre aquele alguém que dá o grito, e logo algumas vozes se levantam. Sem entusiasmo algum. Os abraços mal te tocam, os sorrisos não demonstram a alegria que deveriam, e os olhos... eles não sorriem como os lábios. Eles não brilham, e te mostram que, no fundo, tanto faz que dia é hoje.
             Você sorri de volta, você tenta se contentar. Mas a sua voz, que queria gritar, nada mais é que um sussurro envergonhado, e você agora esconde atrás de um sorriso tímido a sua vontade de fugir. E os olhos... Se alguém se importasse o bastante para olhar dentro deles, veria que a luz que deles irradiava quando se abriram tornou-se opaca ao passar pela primeira pessoa, e se agora há algum sinal de vida, é a tristeza que eles refletem, é o pesar que encobrem.
              E então o dia que tanto demorou a chegar, agora parece não querer acabar...
             E aqueles que você esperava que se importassem, não estão com você. Eles não te abraçarão, nem te sorrirão com os olhos...

♪ "And then someday I will be free!"



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ANIVERSÁRIO - Fernando Pessoa

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

(...)

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

2 commentaires:

  1. Pelo visto foi seu aniversário, ou uma data especial.
    Eu já disse e repito que você escreve bem demais.
    Eu já tinha escrito um texto sobre quase a mesma coisa que você escreveu aí faz algum tempo já. Os tais sorrisos que não condizem com os olhares, o opaco que esconde o vazio atrás de cada uma dessas pessoas...
    Infelizmente a maior parte da vida é com essa falta de reflexo ou transparência que a gente se depara.

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  2. O texto do Fernando Pessoa é até legal e combina com seu texto, mas achei desnecessário ele como 'continuação' ou 'complementação' de seu texto. O texto que você escreveu já fala por si só. Não precisa de complementos. Foi uma descrição perfeita sobre o dia do aniversário. Eu sempre me sinto exatamente dessa forma, por mais medíocre que seja, por mais que eu saiba que será um dia como qualquer outro é involuntário não se sentir meio que nas alturas nesse dia... Mas com o passar das horas você vai caindo lentamente lá de cima até perceber que nada se passou de uma ilusão e você acordou novamente na sua vidinha medíocre de sempre.

    Apesar da distância e apesar de tudo isso que você escreveu e eu escrevi te desejo um feliz aniversário, sem falsos sorrisos ou abraços. Apenas votos sinceros de felicidade e sucesso...

    Excelente texto.

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