mardi 4 mai 2010

Devaneios de uma Noite de Apagão


         A noite está mais escura hoje. Mas as estrelas estão maiores. É estranho abrir a janela e não ver luzes na cidade. Apenas vultos escuros erguem-se ao redor. E em meio ao tédio e ao desespero, estranhamente as pessoas se unem para compartilhar sentimentos que não têm.
       A eletricidade se tornou tão básica e rotineira que nem mais a notamos. Como algo assim, sem vida, pode ter tamanho controle sobre nós? Particularmente, não vejo problema algum em ler ou escrever à luz de velas. Na verdade, sinto-me bem. Muito bem. Mas essa não foi a ideia inicial.
         De um jeito ou de outro, continuemos.
       Quando a vista cansou, soprei vela, liguei uma música, e me deitei. Assim mesmo, no escuro, nesse escuro que tantos temem e odeiam, pois aqui a música ganha vida. Cada nota soa maior, ecoa no mais profundo de mim. E a gente pára para pensar em cada minuto, cada voz, cada olhar, cada tom. Eu fico aqui, enquanto outros se desesperam e se entediam. E esses "outros" até que percebem que não estão sozinhos em casa. ó! Mas essa afetividade repentina é tão estranha... e é barulhenta! Talvez demais para mim. Mais incômoda até que o desespero ou a impaciência.
       As vozes deles se elevam, bem animadas, posso dizer. Chegam a ser contagi... não... não são... Eu não sou uma delas! Não sou! Não consigo ser! Mal chego a um sussurro! Esqueci-me de que não faço parte disso. Nunca faço. Devo me conformar.

(♪I’m safe in here. I’m where I’d want to be..)

Uau! Perfeita para o momento! Parece zombar de mim.
Com essas luzes apagadas me sinto tão boba! Mas... bem, vejo que me perdi de novo. 
 
       Voltando ao início: Fico pensando... Onde está a poesia que diziam haver no mundo? Frases e momentos só têm beleza nos livros?
      Não há luz. E o que fazemos? Oras. Conversamos! Mas, bem, eu... eu não. Eu observo. E penso. No escuro é tão fácil! A solidão que saboreio é doce. Ela cresce e me faz crescer também. Abro a janela. O céu brilha tanto. Sinto-me pequena de novo.
       Uma voz na escuridão.
       - O que faz na janela?
       - Nada. Tem um bichinho aqui.
     Ridículo. Quebrou o clima. Deito-me num colchão no chão. A música está alta e ocupa cada canto, parece vir de dentro, de fora, das paredes, do vento. O céu está tão claro. Sigo um avião, um pontinho branco e vermelho, uma luzinha, que flutua, até mergulhar na parede... e sumir. As estrelas brilham, grandes, belas. E há uma brisa entrando. A luz da vela oscila ao meu lado e me embaralha a visão das linhas do caderno. Ela pára. Inclina-se. Pára de novo. Não me importa. Estou me libertando.
      "Morte", ele diz, "é isso que aprende nos livros que tanto lê?" Não, não é... – penso comigo.
       Dou uma olhada para trás, para as estrelas, e certifico-me de que elas não se foram, de que ainda não estou sozinha. Acho que hoje elas não vão embora. É. O ser humano perdeu completamente a sensibilidade. CALEM-SE! OLHEM PARA FORA! TOLOS! Será que não percebem? É nas trevas que a luz tem mais força! É na luz da noite que as estrelas são maiores! É como se elas dissessem: acalmem-se; estamos aqui. Sim. É isso que aprendo nos livros. A poesia do mundo. A beleza dos detalhes. Aprendo a apreciar.
Feche os olhos. Ouça a melodia do silêncio. Ouça as estrelas chamando. Apague as luzes. Aprecie o brilho da escuridão. As diferentes matizes do nada. Tranque a porta. Sinta a presença da solidão. Converse com a lua.
Olho para estrelas numa noite de verão. Olho para o céu claro da noite.
Quem precisa da música? Eu tenho o silêncio.
Quem precisa de companhia? Eu tenho a solidão.
Quem precisa de lâmpadas? Eu tenho uma infinidade de estrelas só para mim...
          E a Lua...

3 commentaires:

  1. Viajar dentro de si mesmo e não pelos quadrantes geográficos; buscar algo mais no que para muitos aparenta ser um simples apagão. Isso é poesia pura!

    Bom demais, Marô! ;D

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  2. Simplesmente fantástico...

    Sabe porque as pessoas têm medo do escuro?
    Por conta dessas últimas coisas que disse, solidão, silêncio.
    Elas precisam de barulho, de alguém, para evitarem olhar para si mesmas...

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  3. Muitas vezes estamos tão 'apagados', tão desligados dos detalhes cotidianos - os quais olhamos, mas não enxergamos - que só mesmo um apagão é capaz de nos reacender e fazer com que encontremos beleza na solidão, aconchego na escuridão... bravo!!!

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