"Vocês querem saber porque não levo a sério essas panacéias sociais? É porque não creio, repito, na bondade inata do homem. O homem está mais perto do animal do que ele próprio imagina. Tem ainda a marca da jungle. Essa história de amor cristão, do altruísmo, etc, não passa de conversa fiada. O homem hipocritamente se atribui sentimentos e qualidades que na realidade não possui. [...] É, vamos dizer, um carreirista safado no campo moral."
Eu.
Bem. Romântica. Utópica. Paradoxalmente, muito realista. De leituras sem fim, descobri um sem dim de outras maneiras de levar o mundo, e sempre quis que elas fossem reais, quis que fossem fáceis e que o mundo terminasse em um feliz para sempre como na maioria deles.
Se isso importa agora? Não.
Todo esse "nunca acontecer" me esgotou. Hoje? Cética. Nem lá e nem cá, que nenhum partido vale a pena, nenhuma cor, nenhuma bandeira, nenhum slogan. Somos, no fundo, inescapavelmente, seres humanos, e tudo o que pára nas mãos dos homens acaba errado. Não é preciso saber muito de história ou de tragédias gregas para saber disso. Nessas horas, sempre me lembro do Tio Bicho, quando o conheci, há alguns anos: "É uma sorte o pôr-do-sol não depender do governo de nenhuma autarquia, porque, se dependesse, o trabalho cairia nas garras de funcionários incompetentes e desonestos, haveria negociata na compra de material, acabariam usando tintas ordinárias... e nós não teríamos espetáculos como este."
Em síntese: bom é que nada fique nas mãos dos homens.
Esse desapaixonar-se é bem complicado. Ser imparcial, sóbrio, racional, faz lá suas podas também. Essa busca por uma tal "verdade", "a palavra mais justa e a mais serena, que no fim das contas era quase sempre a mais crítica e a menos humana", nos faz, ironicamente, desumanos. Acabei por perder a anima disso também. O tal mito da caverna? Descobri ser bobagem de filósofo. O escuro do quarto é muito melhor do que queimar os olhos na luz do sol e ter tanto ar para filtrar. Os finalmentes? Cansaço. Tanto discurso e ladainhas e faces bravias nunca resolvem o problema. O fogo que explode no primeiro embate murcha bem rápido quando surge a necessidade de pensar, de dar nomes e a cara a tapa. Não dá muito para insistir sozinha, quando todo mundo ia embora, passando a bomba para frente.
Ganhei essa alma velha rabugenta - desprezível -, e não consigo não pensar algo como "voltem para a casa que em uma semana isso não importará mais. Não sejam tolos."
O meu slogan? Não há conserto. Não há esperança. Só explodindo tudo - por mais triste que fosse queimar borboletas, lobos e tulipas. Que o melhor é amarrar os humanos no precipício e deixá-los definhando à mercê dos corvos. Um movimento e duas metas cumpridas: o homem sofre o que merece e o mundo se livra dele. Todos ficam felizes.
E eu resisti. Ignorei. Olhei por cima e fingi não ser comigo. Logo passa. Hoje é bonito fazer revolução. E não, não é fascismo, é fato. Mas então não deu mais... Aquele bichinho voltou a revirar no estômago e começou a querer falar por trás das muitas mordaças que lhe impus. Tudo isso. Toda esse energia... sim, você não sente a energia, a vibração, um sorriso bobo subindo pela garganta, tentando romper entre seus dentes? Eu sinto. Tudo isso é lindo. É bonito.
É vazio também. Oportuno, hipócrita, preguiçoso. Cheio de auto-afirmação, de egoísmo e de muita - muita - ignorância. Cheio também de julgamentos superficiais, de clichês e de poses. E, aguarda, a acomodação vai se fazer notar de novo - apenas saiu para o almoço. Eu, bem, não "sempre soube", mas descobri que é assim. Tolkien - de novo ele - já escrevera que "é sempre assim com as coisas que os homens começam", e que após uma chuva ou uma geada "suas promessas fracassam". Sim, é. Quando o fogo apagar, voltarão para seus sofás e para suas frases de efeito, esquecerão as palavras de ordem, e só se lembrarão da dor e do esforço se tiverem sido o bastante para alguma cicatriz.
Mesmo assim... Mesmo assim, com esse ceticismo engolindo meu romantismo adormecido que tenta despertar. Mesmo assim, com minha descrença amenizando toda as expectativas. Mesmo assim, racional o suficiente para saber que o mundo amanhã vai amanhecer o mesmo. Mesmo assim...
Por favor...
...não me decepcionem.
O que está acontecendo é mesmo lindo. Olhem-se no espelho e convençam, não a mim, mas a si mesmos de que querem, sabem e podem fazer algo. De que, se não puderem, ao menos desmintam Tolkien, e não deixem fracassar as sementes.
Hoje, eu quero dar um voto de confiança, eu quero que seja coerente arriscar, eu quero que valha a pena confiar. Hoje, só hoje, eu quero ter esperanças, eu quero querer que dê certo. Então, por favor, não decepcionem. Não decepcionemos. Porque, que sejam por quinze minutos, o mundo acredita em nós.
[Citações de O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo.]
[Tela Morning Blossom, de Vladimir Kush]
"Cravos e tulipas bombardeiam
Um jardim novo se levantará
[...]
Amanhã... Será?"
[O Teatro Mágico, Amanhã... Será?]