Em muitos lugares, o Dia de São Valentim não tem seu significado restrito ao amor romântico, mas é o dia de manifestar qualquer tipo de afeto, como entre amigos ou irmãos.
Coincidência ou não, esse texto foi disponibilizado hoje no blog Outros Cadernos de Saramago (http://caderno.josesaramago.org/160102.html).
Talvez um dia compreendamos ser o Respeito a maior demonstração de amor entre quaisquer criaturas. "Pode não ser uma utopia."
Problemas de homens
(José Saramago)
"Vejo nas sondagens que a violência contra as mulheres é o assunto
número catorze nas preocupações dos espanhóis, apesar de que todos os
meses se contem pelos dedos, e desgraçadamente faltam dedos, as mulheres
assassinadas por aqueles que crêem ser seus donos. Vejo também que a
sociedade, na publicidade institucional e em distintas iniciativas
cívicas, assume, é certo que só pouco a pouco, que esta vio- lência é um
problema dos homens e que os homens têm de resolver. De Sevilha e da
Estremadura espanhola chegaram-nos, há tempos, notícias de um bom
exemplo: manifestações de homens contra a violência. Até agora eram
somente as mulheres quem saía à praça pública a protestar contra os
contínuos maus tratos sofridos às mãos dos maridos e companheiros
(companheiros, triste ironia esta), e que, a par de em muitíssimos casos
tomarem aspectos de fria e deliberada tortura, não recuam perante o
assassínio, o estrangulamento, a punhalada, a degolação, o ácido, o
fogo. A violência desde sempre exercida sobre a mulher encontrou no
cárcere em que se transformou o lugar de coabitação (neguemo-nos a
chamar-lhe lar) o espaço por excelência para a humilhação diária, para o
espancamento habitual, para a crueldade psicológica como instrumento de
domínio. É o problema das mulheres, diz-se, e isso não é verdade. O
problema é dos homens, do egoísmo dos homens, do doentio sentimento
possessivo dos homens, da poltronaria dos homens, essa miserável
cobardia que os autoriza a usar a força contra um ser fisicamente mais
débil e a quem foi reduzida sistematicamente a capacidade de resistência
psíquica. Há poucos dias, em Huelva, cumprindo as regras habituais dos
mais velhos, vários adolescentes de treze e catorze anos violaram uma
rapariga da mesma idade e com uma deficiência psíquica, talvez por
pensarem que tinham direito ao crime e à violência. Direito a usar o que
consideravam seu. Este novo acto de violência de género, mais os que se
produziram neste fim-de-semana, em Madrid uma menina assassinada, em
Toledo uma mulher de trinta e três anos morta diante da sua filha de
seis, deveriam ter feito sair os homens à rua. Talvez 100 000 homens, só
homens, nada mais que homens, manifestando-se nas ruas, enquanto as
mulheres, nos passeios, lhes lançariam flores, este poderia ser o sinal
de que a sociedade necessita para combater, desde o seu próprio interior
e sem demora, esta vergonha insuportável. E para que a violência de
género, com resultado de morte ou não, passe a ser uma das primeiras
dores e preocupações dos cidadãos. É um sonho, é um dever. Pode não ser
uma utopia."
In O Caderno 2, 27 de julho de 2009
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