"Escrevi meu nome, mas não consigo
mais encontrá-lo.
Minhas cinzas se espalham como pó pelo
labirinto invisível."
[NGaiman]
Há muito brilho, muita diversão, muitas risadas altas. Festa, bolo, casa grande, carro novo, vestido longo. O mundo é completo. Paz-amor-sucesso-e-felicidades. Não, cavalos brancos ficaram velhos, mas há um louro alto, uma garotinha vestida de rendas e todos os olhares. Todas as luzes. Todas as palmas. Realizações. Tudo é perfeito. Você consegue ver? Venha, coloque a mão, não tema! Sim, é tão lindo. Há um jardim ensolarado. Que tal um brinde?
Mas... não? Não.
O que há é matéria.
Cadeiras-tábua-chão. Parede-fria-terra-batida-cimento-duro.
Falatório-carreira-briga. Nada é belo e o mundo se apaga em medo. O que há são sonhos
de neve, brilhantes e fracos. Eles derretem escorrendo pelos vãos porque já
passou tempo demais. E com eles vai embora o calor das mãos, que se tornam
secas e velhas. O que há são projetos frágeis, mentes conturbadas e prazos cada
vez mais evidentes. Porque a vida está ficando pesada e os relógios contam um
vento denso. Os dias são tangíveis e quase podes tocar o tempo, parti-lo com teus
talheres de prata e comê-lo. Só quase. Não consegues comê-lo porque ele não te
desce pela garganta, te fere o paladar infantil que pede apenas por doces. Não
consegues comê-lo por ser áspero e duro, arranhando tuas entranhas, por ser
forte demais para teus dentes de porcelana.
O que há é barulho. Muito
barulho. Palavras-zumbidos-algazarra. Gentes se derramando pela boca, sufocando
os próprios ouvidos, e uma cabeça sem foco. Discursos demais, planos demais, que
mal param de pé. Quando o último grão cair ninguém, vai saber o que fazer.
Quando a próxima porta se abrir, ninguém vai saber para onde correr. Quando a
hora chegar de te mandarem olhar para trás, que pena, ninguém saiu do lugar.
Desde o início baratas tontas batendo com as cabeças e chocando-se nas paredes.
O filme acelera, o volume aumenta, a cena ganha cores fortes, fortes, mais
fortes, super saturadas, gritantes! E correm, correm, correm...
O que há é matéria. O que
há é barulho. Gelo e peso. Coisas quebrando e fazendo estrondo, coisas que atrapalham
e dão trabalho. O que há é pressa. Cansaço e cegueira, uma corrida no escuro. O
que há é tempo. De concreto e chumbo, e o batem em nossa cabeça como um ovo,
esperando que saiam dali vida e beleza. Não vai sair nada. Nem flores, nem amores
e nem perfumes.
O que há são sonhos de
neve. Sem bonecos ou flocos prateados. É apenas gelo cortante do que não podes
fazer existir. É a fusão de cada beleza que um dia sonhaste. E o teto em brasa
da realidade cai sobre os corpos, marcando-os como touros para o abate. É o
calor que desfaz a neve. Derretendo, ela te escorre pelos dedos, te faz
escorregar, mergulhado nesse mar de cadáveres.
O que há é a morte do que
nunca foi. É a partida do teu eu que nunca existiu. É teu futuro que ficou
passado e as folhas secas, para se quebrarem no próximo outono.
O que há... é não haver.
14 de Dezembro de 2013: Um ano exato daquele novo fim. Eu me pergunto sobre o que são fins. Eu me pergunto até onde valem minhas filosofias. Até onde vale qualquer filosofia?
Ignoro os lados para os quais desdobraram. Não que isso importe. Nada importa. No entanto, de olho na foto, basta-me que, um dia, flores assim tenham brotado - e que olhos a tenham visto, e que mãos a tenham tocado.
Não é otimismo, nem conformismo, nem ismo algum. É Aristóteles.
Não é otimismo, nem conformismo, nem ismo algum. É Aristóteles.
Eu não tinha lido esse, mas acho que a gente estava meio que passando pelas mesmas crises existenciais escrevendo né haha. Genial como de costume. O jeito que opos as palavras e o ritmo do texto são muito bons.
RépondreSupprimerMuito bom, gostei de mais.
RépondreSupprimerAté onde vale qualquer filosofia?