Ah... Havia mesmo razão para tudo aquilo? Precisar saber, ser obrigado a compreender, buscar o conhecimento pelo conhecimento sem, é claro, se esquecer de que tem de ser melhor. E, não apenas melhor, o melhor. Tudo isso para você chegar na frente, para você se destacar, para você sobreviver, para você, você, sempre VOCÊ! Nem adianta tentar fugir porque não há escapatória. Tudo se faz com a intenção de elevar-se sobre outros. Mas não espere, porque não explicarão o perigo do não saber, o lado ruim da - como diz Nietzsche - barbárie. As pessoas desenvolveram um certo medo da ignorância, um preconceito. E eu fico buscando entender onde está o pecado desta vez.
Quem definiu que todos devem ter toda essa ânsia pelo conhecimento? A quem foi dado o direito de escolher de que cada um gostará ou definir seus objetivos? Na boa, sabe o por quê desse silêncio? Porque todos já sabem da resposta: Ninguém. Mas cada era pede uma medida padrão para se poder comparar, uma moeda de troca. Não há quem valha qualquer mixaria, portanto vão tentando disfarçar isso por tras de conceitos sem sentido. Cada época adota uma máscara, uma maquiagem própria e, hoje você vale pelo que sabe. Ah, sim: na verdade, você vale pela quantidade de papéis que provam que você sabe. (Porque, obviamente, já há alguns séculos a palavra deixou de valer qualquer coisa. O que não é grande surpresa num contexto em que a honra já deixou de contar.)
Então, do nada, começavam a surgir umas questõezinhas bobas. Coisinhas. Pura lógica, entende? Pois, pensando bem, um coração não bate melhor depois de você descobrir a diferença fundamental entre artérias e veias. Tampouco ser capaz de dividir axônios, cápsulas de Schwann e corpos celulares acelera o pensamento. Nada dessas coisas adiantam muito, mas esperam que você acredite no contrário. Só que, nesse oceano didático, saber disso te afoga. Cada vez que se chega à superfície para tomar folêgo, é-se recebido com lufadas violentas de perguntas como essas. De todas essas obrigações inventadas, qual parte é responsável pelo bem-estar? Nenhuma. Ne-nhu-ma. Não passam de itens incoerentes, insensíveis e desconexos. Admitamos que, no fundo, no fundo, as vidas continuam as mesmas, e todas essas informações - exponencialmente mais numerosas a cada ano - dissipam-se quase instantaneamente. Ou seja: além de tudo, o sistema é infrutífero. Justificam-se dizendo que "vão cobrar", polemizam com essa de que "lá fora", "os outros"... vocês sabem da ladainha. São todos "metaeducadores", vivendo de fazer com que aprendam o que só serve para se ensinar. Vão-nos afastando da prática. Da vivência. Da experimentação. Que são o que realmente vale.
Enquanto não decidirmos por nós mesmos as nossas prioridades, vão insistindo em outorgá-las, dando continuidade ao estado onde pessoas morrendo diariamente são um problema a ser resolvido depois de você aprender que seu cachorro é na verdade um Canis lupus familiares - com atenção às maiúsculas e minúsculas, por favor. Essa situação covarde em que você disserta sobre a guerra mas é reprimido se pedir que tragam os soldados de volta para casa e deixem de fazê-los sacrifício para a causa de outrem.
As coisas começaram a se inverter, e perdeu-se a noção do que é realmente importante. Mas Newton não tornou a queda das bombas menos mortal ao definir a gravidade, entender de digestão e ATPs não sacia a fome, e diplomas não atestam que capacidade de viver. Dá pra perceber aonde quero chegar? A humanidade insiste no erro, e cada geração leva a próxima a crer que esse é o modo certo e óbvio de levar a vida. Falam da "maquinização do mundo" e de como se tem vivido mal. Vão acusando ao próprio mal que criaram sem mostrar como combatê-lo e, não importando a ideologia, na "hora H", as reações são sempre iguais.
Ao redor tudo são belos discursos: cultos, apaixonados, encorajadores. Esses que se auto-proclamam experientes acabam sempre por jogar a responsabilidade nos que estão chegando com Oh, sim, vocês são o futuro. No entanto, é fácil incitar à batalha aqueles que tem as mãos atadas. Pior: esses mesmos os atam as mãos. Hipócritas. Todos eles. Todos vocês. Dizem coisas chocantes demais na esperança de provar a todos que o mundo está no fim, como se realmente se importassem. Enchem a boca e estufam o peito enquanto ficam sentados. Esperando que alguém faça algo e que os campos de batalha se fendam e engulam as armas para que se tornem flores; esperando que as mesas miseráveis se encham num passe de mágica e que a violência decida tirar um cochilo por si mesma. Esperando que alguém realmente perceba que estamos, não caminhando, mas correndo para a destruição, e que nosso caminho há muito perdeu de vista a Ilha Perdida da Felicidade.
Há coisas de mais a serem aprendidas, e objetivos de menos sendo criados. Os homens já não sabem que rumo dar aos seus passos. Meios demais, metas de menos. Ficam todos por lá, confortáveis, aguardando uma solução rápida para tudo e culpando outros. Sem perceber que eles são os outros. Sem se dar conta de que nós somos eles.