"Eu, (...), escrevo essas coisas e não sei a quem me dirijo. Sei que são inúteis e refletem mais um hábito do que mesmo uma necessidade, mas encontro-me de tal modo desesperada que recorro a este meio para não sucumbir totalmente ao meu desamparo. (...) ...talvez seja ainda isto que eu procuro: um esquecimento, um letargo que me faça não diferente do que sou, mas esquecida de mim mesma, como sob o efeito de um entorpecente. Mas a verdade é que eu não sei a quem escrevo nem a quem poderiam interessar essas linhas siméttricas e cheias de compostura que vou traçando laboriosamente sobre o papel. Sei apenas que sinto o quanto em torno de mim as coisas são inóspitas e o quanto eu mesma me converti num ser gelado e triste. Ah, como é difícil reunir essas duas palavras - gelado e triste - compreendo que elas correspondem exatamente ao que existe dentro de nós, a essa coisa pesada, insensível, em que se converteu nosso coração. (...) E aos poucos, com uma lentidão onde há visível crueldade, vou recompondo a fisionomia que conheço tão bem, e que, é inútil dizer, tanta repulsa me causa. Ah, como me detesto, como me desprezo, que tremenda hostilidade interna delineia minha figura exterior. (...) Eu me detesto inutilmente, como se detesta uma víbora ou um sapo, mas também não implica isto nenhuma condescendência com o resto do mundo, pois detesto igualmente os outros, não porque os sinta melhores do que eu, mas porque também a meu ver são ridículos e desprezíveis. Detesto tudo e todos, e é em momentos assim, imóvel diante do espelho, que compreendo exatamente qual é a extensão da frieza que me habita - qualquer coisa funda e sem consolo, opressiva, estagnada, tal como se no meu íntimo tudo houvesse se crestado e, com a força dessa queima, houvesse se perdido qualquer possibilidade que existisse em minha alma, de ternura e de perdão. Não sei dizer por que sou assim, talvez alguém o soubesse dizer em meu lugar. (...) O que sabia, afinal, é este ser no fundo do espelho: move-se de um lado para o outro, pisca, sorri, mas está morto há muito, e o que está morto não ressuscita mais nem do lodo nem da fecundidade."
Ana - pág 270-1 - A Crônica da Casa Assassinada (Lúcio Cardoso)
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Enfim, hoje, 26 de Abril, Terça Feira, meu blog completa um ano de existência.
Raramente posto textos que não são meus (e também acho esquisitíssimo escrever, como agora, como se estivesse falando a um público!), mas acontece que esse trecho me chamou muito a atenção, especialmente pelo início (em itálico).
Sempre tive certo fascínio pelas palavras, por aqueles que conseguem fazer magia com elas. No entanto, em minhas mãos elas sempre ilustraram tristeza e/ou revolta. Por vezes faço textos gigantes, ou penso apenas pequenas frases ou rimas, e eles ficavam perdidos em pedacinhos de papel que eu guardava na gaveta. De certa forma, aquilo era guardar toda a dor, impedir sua dissipação. Então, num ato impulsivo, criei o blog. E eu gostei. Não pensei que fosse durar... Mas cá estou - e ele também: sobrevivemos! E aqui abandono palavras - muitas vezes sem sentido ou enigmáticas para qualquer outro que não eu mesma. "..não sei a quem me dirijo..". Descobri ser essa a mágica dos blogs, a gente não tem medo de quem lerá, a gente deixa pensamentos aqui e, não sei, eles simplesmente ficam.
Não gosto de aniversários... Mas é bom perceber que tão pouco tempo me fez tão bem, me senti mais livre, mais leve, mais íntima dessas minhas velhas amigas, as Palavras, e aprendi a lidar com elas melhor. Não que me julgue uma super escritora, mas meus sentimentos - exagerados, intensos e confusos - agradecem.
~ Por Níniel - A donzela das lágrimas - ou apenas, Maria Eugênia.
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