Você ainda não sabe, mas esses cortes profundos ainda são apenas arranhões na superfície das primeiras de infinitas camadas. Você vai acreditar ter chegado ao centro de tudo, apenas para perceber ainda outra pele por baixo. Como ao descascar cebolas. Aquelas bem suculentas e ardidas. E você ainda vai demorar alguns anos para aprender a afiar as suas facas - ainda que isso não vá sempre te proteger das lágrimas, não importa a quantas artimanhas ou simpatias você se renda.
As coisas, essas que se revolvem ao seu redor, as coisas não vão passar. Vão mudar, apenas, como você e seu arsenal para lidar com elas. Nunca, por exemplo, você vai perder a nostalgia do tempo em que podia se esquivar, e chegar sem precisar se anunciar, sem retribuir olhar por olhar, sem cumprir tantos protocolos. Nunca você vai se habituar a responder perguntas desinteressadas, ou a fazer as perguntas que esperam que você faça, e seu silêncio continuará sendo o maior dos mal entendidos. Então, você simplesmente deixará de se importar, e isso te fará bem.
Você também vai perceber que as interações são vias duplas, que o trabalho não repousa todo em seus ombros, e que, se não conseguem te ver, a responsabilidade é toda dos olhos. Você vai perceber que você é muito pequena, tão pequena, que não importa, tão pequena, que pode ser livre sem grandes consequências, e que todos aqueles rios e ventos são grandes demais para terem nascido de você. E continuarão brotando por todos os lados apesar de você.
A sentença de apatia que agora te apavora, mais tarde do que cedo vai te reaparecer com um verniz diferente, e você vai entender que poucas coisas tem valores intrínsecos, poucos conjuntos tem relações unívocas, e que as mesmas coisas que denunciam fraquezas se mostrarão evidências bastante robustas de força para quem souber ler os dados. Entretanto, bem, você sabe o quão ruins com dados as pessoas são.
Felizmente, você já entendeu algumas verdades, principalmente sobre precisar aprender sozinha. Você vai ouvir muitas coisas, e você vai tentar acreditar nelas e nessas pessoas que não te conhecem. Você vai seguir tantos rituais minuciosamente, esperando que eles passem a fazer sentido se você repeti-los o suficiente. E eu sinto muito, sinto enormemente pelo quão patético isso será. E pelos desvios quilométricos pelos quais isso vai te levar, os atalhos traiçoeiros, e a beira de um abismo que apenas por muito pouco não vai te sugar. Porque o tal Supertrump, no final das contas, não estava assim tão certo. Você precisa aprender a sentir independentemente de qualquer outro. Os outros são apenas um bônus. Ou, mais comumente, são só o inferno. Era você quem estava certa: seja sozinha para ser plenamente. E o predicativo não importa.
Siga, portanto, aquele conselho antigo, e não dê tantos ouvidos aos outros. Confie na sua cabeça, mesmo quando ela te falhar. Afinal, se tem algo de que você pode se orgulhar é de tê-la sob controle. Ou, simplesmente, de tê-la. Assim como Sísifo, só você poderá te salvar do que quer que te atormente, e você vai entender que não há arrogância em falar mais alto do que os outros, do que os deuses que te punem, do que o abismo que te puxa, e que a sua pedra é sua para levar aonde quiser, até mesmo para o fundo desse abismo.
No coração da sua cebola, há um Sísifo, e, eu sei que parece insano e absurdo demais para que você creia no que eu te direi agora, mas um dia, ainda que te pareça agora apenas mais um conto de fadas, um dia você será capaz de imaginá-lo feliz. Afinal, eu sou.