jeudi 13 août 2015

Cabides

Eu sei, eu imagino como seja abrir a geladeira às sete da manhã e ver apenas um litro de leite vencido, ver talvez nada. E você vai abrir a gaveta e verá apenas formigas sobre seus farelos, você, que não come há três manhãs.
Eu sei, eu sei que são mais de três. Eu sei que há anos você se retorce de fome, e que nem suas vísceras são mais suas. Que hoje, quando se olha no espelho, você enxerga as ausências dentro de você, os corações que não mais estão.
Eu não tenho sobremesa para você. Não há açúcar que afrouxe sua fome, eu sei. Não vou eufemizar sua agonia. Às vezes eu me pergunto se você sente abortos a cada vez que seu estômago ronca, e em meus sonhos eu te vejo olhando o chão ao redor de seus pés a procura do sangue.
Frankenstein... É bem o inverso, não é? Muitos feitos um. Mas, você... como é viver em pedaços? Eu não sei, eu absolutamente não sei, mas procuro entender quando, da janela do meu prédio, vejo a luz de seu apartamento se acendendo, do outro lado da rua, às 3:47 da manhã, ou quando vejo seu vulto com olhos fixos nas prateleiras de Kinder Ovo do mercado. Você, que não tem nem arroz e feijão. Nem mais aquele miojo das seis da tarde.
Eu sei como é ver Setembro chegando, o inverno acabando, e ainda assim sentir os dedos entorpecidos, e ver o tanque enferrujado e amarelado esquecido no canto da parede, porque não há mais meias sujas de patinação. Sujas ou não, ao menos havia roupas é o que você pensa. Não podemos nem dar-lhe agasalhos, porque você não tem corpo para usá-los.
Outros, tão pouco afortunados, têm a roupa, mas não o tanque. Diacho! De que servem, pois não?! Ter comida sem ter fome. Mas não posso saciá-los, ninguém mais pode. E se pensa nos pássaros do céu, pensa também que nem toda asa é liberdade, que nem todo sorriso é fraterno, e que Babel se assegurou de nada fosse mais igual. Nevermore, disse o corvo.
Luz. Você não a quer. Eu sei. Eu sei como é bater no interruptor em vão, continuar cego, você, que há tanto tempo surdo ainda pensa ouvir os choques dos trovões e o repicar grave e compassado de sinos que avisam agudos sua hora de ser.
Não abram as portas, então, pobres coitados famintos de amor, no máximo os cabides balançarão com a brisa das folhas, mas você continuará de barriga vazia e de corpo frio. E essa dança vai hipnotizá-lo e encher seu peito. E esse vazio vai te trazer saudade do eco que fazia seu coração.
Eu sei, eu sei que pessoas como você perdem tudo sem a chance de voltar atrás, e sei que pessoas como eu ganham tudo sem poder dividi-lo. Mas se eu tivesse apenas um último fôlego, eu diria que fechassem os olhos e pensassem nas roupas, apenas nas roupas. Diria que é melhor trancar as portas, e não pensar mais nos cabides.
Não até que o último grão caia.

lundi 10 août 2015

Corações avulsos

Pintura de ouro
a disfarçar
Todo o vazio
que não quer mostrar
Busca fontes vivas
Para alimentar
A farsa em que não
consegue acreditar

Em mentes alheias
constrói nova imagem
Fugindo do espelho
à clara mensagem
que o faz semelhante
ao ogro selvagem
causando-lhe dor e
intensa vertigem

Eterno cretino
Eterno fingidor
Eternos covardes
Ocultos em amor.


[PS: Eu tentei terminar, G.C, quem sabe um dia dê certo.]