dimanche 19 août 2012

Fome


Pt I -Ânsia

Ele está dando murro em ponta de faca. Ele está berrando para as paredes. Está estourando a garganta e vendo os rasgos profundos em sua carne. E ainda assim não dá para apenas virar as costas e ir embora.
Por fim, ele está se jogando contra esses muros, todos cobertos de chapisco. Ele está quebrando os dentes nesses imensos cadeados. Está perdendo as unhas escavando concreto. Está se arruinando, sabe disso. E ainda assim, não dá para ver?

Debaixo da janela existe um zumbi, um saco de ossos envoltos em papel quebradiço, encardido em sangue seco, existe o gosto salgado, sombra distante do choro que conheceu um dia, existe o desespero e o completo automatismo. Insistindo por razões que desconhece, permanece em movimentos programados.
Ele é um caçador. Ele é uma máquina. Seu trabalho é devorar.


Pt II - Transição

Um dia, deram-lhe corda, e ali ficou, fazendo ele mesmo não sabia o quê.
Uma mão invisível recolocou-o em movimento, e ele se perguntando o que haveria por vir. Eu sabia – no início. Havia nele um impulso por algo sem nome, era a música que não podia calar, eram as partículas que ainda restavam. A última gota, o último fio inteiro da trança. Calou. Sumiu. Rompeu. E agora? Agora é gritar sem cordas vocais, esmurrar com as mãos quebradas, esfolar o pé chutando o cimento. É tentar alcançar e tomar com suas garras pútridas novamente. Em toda sua existência tranqüila nada havia feito passar por sua cabeça que esse tipo de ímpeto existisse e que essas aberrações fossem mais do que ficção. Ele nunca achou que chegaria a esse ponto, correndo atrás de órgãos quentes e pulsantes, comprazendo-se ao sentir partirem-se as lascas de unhas e o couro ressequido entre seus dentes tortos, lambuzando os dedos no sangue fresco, estremecendo à simples idéia de tê-los ao alcance.
Ah, mas isso foi antes. Foi antes e ele agora é morto. Foi antes e ele agora é vivo. E como tal, anseia por alimento. Ah, ele vai insistir até o final, até encontrar o coração suculento atrás dessa porta. E ele vai encontrar, ele vai.


Pt III - Loucura

Ela está trancada. Ele não ouve o pulsar. Ele não sente o cheiro. No entanto, está ali. Ele sente o choque que percorre seu corpo ossudo, o tremor no contato com a parede. Ofegante. Suando. Há gotas de sangue no cadeado. Tem de haver vida!
Ele recomeça – renovado. Vai dando murros em ponta de faca, vai berrando p’ras paredes. Ele pode morrer centenas de vezes nessa busca. Ainda assim, não dá para se trancafiar para sempre.
Uma hora, vão ter de abrir.

mardi 7 août 2012

Repugnō




Bobagens. Dramas. Pirraças.
"Ver um hipócrita sangrar", é bem isso mesmo.
Orgulho. Fachada. O reflexo estúpido que tenta enxergar.
Sem pensar, cede. O retorno aos impulsos mais puros, às atitudes mais transparentes. O instinto básico da vingança aflorando pela armadura - aquela perfeita e intransponível. Not anymore.
Passados o desespero e a raiva - que, obviamente, seria mais bonito fazer que não sente - a recomposição.
Indiferença e sobriedade. Sério, mesmo? Por favor! - É claro que não!
Não se esforce, é vão. Não tente apagar esse passado, tão presente, e não tão nobre.
Encenação. Você acredita que, depois de tudo, vão acreditar? Como finge. Como fingem. Descaradamente.