vendredi 24 décembre 2010

Palavras


"Achava que o essencial era perder o medo de vocábulos e frases que eram como façanhudos cães de guarda dos fatos, das coisas e das idéias. (...) Porque o que importava era quebrar o encanto das palavras, enfrentas esses monstros de nossa própria invenção, tratar de debilitá-los, tornando-os inofensivos. Uma vez que transposto o muro que a linguagem ergue entre nós e as coisas que representam, podemos abraçar, aceitar a vida, sem temor nem repugnância."
Dr. Carbone - pág 136 - O Arquipélago - O TEMPO E O VENTO - Érico Veríssimo

      Por vezes é possível perceber que algumas coisas parecem perder o sentido se colocadas em palavras - se ditas nua e cruamente. As coisas belas perdem a magia, pois as palavras limitam tudo o que elas podem significar, toda a sua grandeza. E as coisas ruins... Bem, ficam sem importância. Os maiores medos, se ditos em voz alta, são tornados insensatos e ilógicos.
           Mas as pessoas têm medo das palavras.
         A verdade, a verdade pura, pode muitas vezes soar grosseira e machucar. E então todas as pessoas passam a ter medo de se revelar, de se abrir, porque mesmo aquilo que elas sempre souberam pode parecer cruel e feri-las se ousarem dizê-lo. Por isso simplesmente ignoram, por isso precisam sempre de alguém para lhes estapear e gritar a elas o que precisam admitir.
        O ser humano é covarde. Não com os outros: consigo mesmo. O ser humano tem receio de mostrar para si mesmo o que é.
   .Quando não se define seu sonho, não é preciso correr atrás.
   .Quando não se define o desafio, não é preciso arriscar.
   .Quando não se define a vontade, não é preciso tentar.
   .Quando não se define o medo, não é preciso enfrentá-lo.

         Mas existem as palavras, para nos tirarem do escuro e nos levarem a um rumo certo. Para nos mostrarem o que deve ser feito. Para excluir toda essa paixão que colocamos nas coisas, e nos deixar enfrentá-las sem exageros, pelo que elas realmente são.

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(Falei besteira... mas é isso mesmo... Deixemos para lá esse temor das palavras. Deixemos para lá esse temor da verdade.)

lundi 6 décembre 2010

Contraste

Ela estava sentada a um canto da parede, e estremecia com a brisa gelada; o cheiro da chuva lhe agradava e aquele ruído a confortava. O som das gotas maiores caindo do telhado em pequenas poças a fazia vigilante, acentuando a sensação constante de passos e uma presença oculta. Fechou o livro que tinha nas mãos, tirou um pequeno papel do bolso e começou a dobrá-lo aleatoriamente, apenas para manter suas mãos ocupadas enquanto observava ao redor com o canto dos olhos, pois que sua mente já não se concentrava na leitura.
Por vezes parava, certa de que ouvira algo e de que, desta vez, havia alguém chegando. Tomava coragem e levantava a cabeça, mas novamente era apenas impressão sua. Então voltava à sua calma habitual. Ela se acostumara àquele lugar, onde jamais a incomodavam, mas hoje ela aproveitaria cada segundo e não perderia a queda de uma gota sequer. A chuva era um espetáculo diferente para fazê-la sair da rotina e levantar os olhos das páginas mortas que sempre carregava consigo e dirigí-los a algo vivo e imprevisível. E fazer isto transmitia a ela um sentimento de paz que não podia explicar. Só sabia que gostava daquilo, pois levava-a a pensar em outras coisas que não a sua solidão diária.
De novo ouviu ruídos, agora mais fortes, teve certeza de que havia algo a rondá-la, alguém apareceria desta vez. Hesitou um pouco, o olhar voltado para baixo, com medo do que poderia ser e... E riu de si mesma com um suspiro. Tolinha, não há ninguém para aparecer! Apesar de seus temores e paranóias, ela sabia que não havia vivalma ali, eram apenas temores e paranóias...
Levantou-se, voltou o papel no bolso e acomodou o livro num canto protegido da chuva. Tirou o tênis, apesar do frio, e foi caminhar. A água gelada era desconfortável no começo, mas ela começou a se sentir livre, livre de si mesma. Esticou os braços e fechou os olhos, quando sentiu que não poderia se sentir melhor abriu-os de novo. Só teve tempo para divisar algo pontiagudo vindo em sua direção: rápido demais para ela se esquivar; devagar o bastante para que pudesse percebê-lo.
O sangue espirrou pela sua face, assustando-a. Seu peito ardeu e ela lançou um olhar angustiado para trás, tentando voltar, mas já não podia ver com nitidez. Ela, que nunca se acreditara feliz até então... Ela, que nunca se sentiria livre de novo. De que adiantou tanta exaltação senão para agravar todo o frio e o vazio que vieram depois? De que servia a alegria, se não para mais tarde a torturar com sua lembrança e fazê-la se sentir no profundo de um abismo ainda maior?
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Doce alegria... assassina da esperança.
- For you, Flávia. ;)
http://rsflavia.blogspot.com