samedi 18 septembre 2010

Derrotado...

TUM!
Vai começar de novo. Vem-lhe aquela pancada, mais forte que das outras vezes. Seu coração parece querer arrombar seu peito. Mas ela sabe, no fundo ela sabe - e respira aliviada por isso - que esta foi a primeira da última série delas. Ela sabe que tudo acabará ali.
O lugar está cheio, o que significa que já começou, e que também aqui não falta muito para acabar. O Sol é um globo em chamas. Pequeno. Distante. Terrivelmente belo ele tinge o horizonte com seu tom carmesin. É incrível como consegue dar ao céu tons tão diferentes. Acima vê-se um azul límpido, mas ao abaixar o olhar, há bem à frente montanhas pálidas e um céu esbranquiçado. E perto do Sol, um brilho cor de sangue. Aquelas... TUM!
TUM! TUM! De novo. Ela só teme que ainda demore muito. A dor é profunda e leva-lhe ao desespero. Ela não tem medo, desde que acabe logo. Pela janela, vê um vulto negro sobre uma montanha menos distante. É só um menino soltando pipa, caminhando ao Sol...
O Sol, como notaram, está bem mais baixo. As montanhas mais próximas dele parecem estar em chamas. As labaredas avançam lentamente sobre a Terra. As pessoas ao redor ficam em silêncio e assistem hipnotizadas ao espetáculo à frente. Sabem que algo está para acontecer.
TUM! TUM! Ela aperta a mão contra o peito como se tentasse arrancá-lo. Não entende porque ainda não perdeu a consciência como sempre acontece. Será que a farão ver tudo, sentir a última lufada de ar deixar seus pulmões? Ela arfa violentamente e seu rosto molhado se contrai. A dor é tanta que já não chora, apesar de ainda ter o gosto salgado das últimas lágrimas nos lábios. Não que ela não goste... TUM!
As montanhas reagem, não se deixarão devorar pelo Sol. Já se percebem falhas no contorno do grande astro. O céu acima está enegrecendo, e se pode ver a Lua. O Sol brilha, torna-se mais vermelho, mas todos sabem que ele está perdido. "Assim como eu", pensa ela, "ele luta sua última batalha".
TUM! Ela não pode suportar mais. Deitada em seus lençóis revirados solta um urro que assusta a todos por perto. Um urro vindo do mais profundo de seu ser, libertando toda a sua dor.
Os olhos ansiosos brilham em lágrimas. As mãos rígidas. O grande inimigo está sendo derrotado.
TUM! Alguns segundos. TUM! O fim é evidente. TUM!
TUM! A última batida virá. Ela está inerte na cama. Esperando. Seus olhos fixam-se no último raio de sol vindo pela janela. Ela pisca para a primeira estrela que surge no céu. Seu tormento finda. A última batida vem. TUM!
Então todos sorriem e batem palmas. Há lágrimas em todas as faces. A última chama se apaga e deixa o céu.
Ela está em paz.

jeudi 2 septembre 2010

Inevitável


♪ "And here I am now, taking the pieces of light... In my soul so dark, silent screams of pain... " ♫

         Não adianta negar, você sempre diz que não se importa, mas é inevitável. Você sempre espera algo. E à meia noite o seu coração bate mais forte. O que vai acontecer? É claro que você sabe que será o mesmo de sempre, mas é involuntário... Então você acorda diferente, olha para as pessoas de modo diferente - e tem a estúpida impressão de que os olhos delas estão diferentes também. Você morde os lábios, e caminha olhando para os lados, pensando em quem virá primeiro. Depois de um tempo você vê que é apenas mais um dia como qualquer outro, e que poucos notarão como você está mais leve hoje. Mas há sempre aquele alguém que dá o grito, e logo algumas vozes se levantam. Sem entusiasmo algum. Os abraços mal te tocam, os sorrisos não demonstram a alegria que deveriam, e os olhos... eles não sorriem como os lábios. Eles não brilham, e te mostram que, no fundo, tanto faz que dia é hoje.
             Você sorri de volta, você tenta se contentar. Mas a sua voz, que queria gritar, nada mais é que um sussurro envergonhado, e você agora esconde atrás de um sorriso tímido a sua vontade de fugir. E os olhos... Se alguém se importasse o bastante para olhar dentro deles, veria que a luz que deles irradiava quando se abriram tornou-se opaca ao passar pela primeira pessoa, e se agora há algum sinal de vida, é a tristeza que eles refletem, é o pesar que encobrem.
              E então o dia que tanto demorou a chegar, agora parece não querer acabar...
             E aqueles que você esperava que se importassem, não estão com você. Eles não te abraçarão, nem te sorrirão com os olhos...

♪ "And then someday I will be free!"



..............................................................
ANIVERSÁRIO - Fernando Pessoa

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

(...)

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...